Pinhão, araucária e outros símbolos e histórias do estado foram inventados pelos paranistas, artistas e intelectuais que buscaram criar uma identidade regional
Camile Triska
No fim do ano passado, o parque São Lourenço teve a entrega simbólica do Memorial Paranista, um local que homenageia um movimento de mesmo nome e que funcionará como espaço cultural. Mas, o que foi o Movimento Paranista, também chamado de Paranismo?
Entre as décadas de 1920 e 30, artistas, intelectuais e literatos se uniram para criar uma identidade regional que incentivasse o sentimento de pertencimento, o que era ser um paranaense e quais eram os elementos do estado.
Com um olhar voltado mais para a natureza surgiram os símbolos paranistas, que permanecem em nosso imaginário e cotidiano: a araucária e o pinhão, principalmente, mas a gralha-azul e a erva-mate também são alguns exemplos.
Essa criação de tradições regionais e até representações políticas não foi algo exclusivo do Paraná. Após o surgimento da República, em 1889, existia todo um movimento no país em busca de uma linguagem que definisse o que era ser brasileiro. Aqui, no Paraná, o que ajudou a favorecer foi o ciclo econômico provocado pela erva-mate, um terreno fértil para modernização de Curitiba e um cenário para uma efervescência cultural.
Memorial Paranista e João Turin
Um dos principais artistas do movimento foi João Turin, que também é considerado um dos mais expressivos do estado, já que ajudou a levar a arte paranaense para todo o mundo. O Memorial Paranista terá uma exposição permanente de obras do artista, além de 15 esculturas suas. Mas, quem mora aqui em Curitiba ou já visitou a cidade, deve ter visto outras esculturas dele, como a do “Tigre esmagando a cobra”, próximo ao portal de Santa Felicidade, a “Luar do sertão”, na rotatória do Centro Cívico, quase em frente à sede da prefeitura, e a de “Tiradentes”, na praça de mesmo nome.
Suas criações vão muito além de esculturas: estão em desenhos, pinturas, design de moda, arquitetura e decoração. O Salão Paranaense, da antiga sede do Clube Curitibano, demolida nos anos 50, foi projetado por ele justamente durante o Paranismo.
Turin atuou em conjunto com outros artistas, como Zaco Paraná, João Ghelfi e Lange de Morretes, que já em 1923 discutiram como aplicar os símbolos paranistas nas artes visuais. Ghelfi é considerado um dos grandes inspiradores do estilo parananista – inclusive, em 1921, ele instalou um ateliê em Curitiba que virou ponto de encontro de jovens intelectuais, pintores, jornalistas e grandes expoentes do movimento – mas acabou tendo uma morte prematura em 1925.
As obras de Lange de Morretes são marcadas, principalmente, pela pesquisa e pinturas da natureza, especialmente as araucárias, e também continuam presentes no dia a dia dos curitibanos, nos pinhões estilizados nas calçadas de petit pavê da cidade.
Paranismo em páginas
O termo “Paranismo” surgiu em 1927, em um manifesto publicado pelo político, historiador e jornalista Romário Martins, um dos líderes do Paranismo, pelo qual procurou definir o que era o movimento paranista.
No entanto, o termo “paranista” foi criado bem antes, em 1906, pelo poeta Domingos Nascimento, que em uma viagem ao norte do estado teria chamado os paulistas que viviam lá de “paranistas”, já que não eram paranaenses. A denominação acabou sendo adquirida pelo movimento já que conseguia traduzir essa sensação de pertencimento a todos que viviam no estado, mas não tinha nascido aqui – ainda mais em uma época de intensa imigração, principalmente de europeus.
Em 1927 mesmo, também foi criada a revista “Ilustração Paranaense”, a grande divulgadora do movimento paranista e todo o desenvolvimento econômico que ocorria no estado. A publicação era dirigida pelo fotógrafo e cineasta João Batista Groff, pioneiro do cinema paranaense, com contribuições dos paranistas Romário Martins, João Turin, Lange de Morretes e diversos outros que se uniram ao Paranismo.
Alguns “slogans” curitibanos replicados até hoje também tiveram início por meio dessa revista, como “A capital modelo”, “A capital de primeiro mundo” ou “Curitiba, a cidade mais europeia do Brasil.
A “Ilustração Paranaense” circulou até 1930, ano em que o Paranismo começou a perder força, mas que, sem dúvidas, realmente acabou formando no imaginário das pessoas uma identidade regional.
Povo paranaense: onde estão os negros e indígenas?
Como nem tudo são flores, nesse caso, pinhões, o Paranismo foi além das artes e também buscou criar uma memória regional do estado e identificar quem era o seu povo. Romário Martins, ainda em 1899, escreveu o livro “História do Paraná” – uma das obras fundadoras da história paranaense e, na época, considerada a história oficial do estado.
Contudo, a identidade dos paranaenses inventada pelos paranistas foi a de um “povo branco e europeu”, afinal, aqui tinha um clima parecido com o da Europa e diversos imigrantes de lá, o que, de acordo com o movimento, favorecia ser uma sociedade cosmopolita, diferente do resto do Brasil.
E onde ficaram os indígenas e negros em tudo isso? Naquela época, esses povos eram considerados um entrave para a evolução da sociedade. Os índios foram retratados no Paranismo, mas a partir do mito do “bom selvagem”, de um povo exótico, generoso e valente, camuflando a realidade: que eram atacados pelos colonizadores.
Já o povo africano, como era de se esperar da sociedade escravocrata da época, segundo Romário Martins “nunca foi numeroso no Paraná”. Esse é um fato que já foi refutado e hoje sabemos que não foi bem assim – os negros tiveram grande importância na criação da identidade do Paraná.
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Infelizmente, esse branqueamento do paranaense é algo que permanece no imaginário e vem sendo combatido por intelectuais e por historiadores contemporâneos, inclusive, pela forte atuação do movimento negro no estado. Em Curitiba, já existem roteirosque reverenciam a importância da história de africanos que foram escravizados e também de negros que foram reconhecidos intelectuais da época, mostrando a contribuição do negro na formação da cidade. Afinal, ser brasileiro, paranaense ou curitibano é ser negro, branco, mestiço, asiático ou índio.
Fontes: O Paranismo e a invenção da identidade paranaense – Alessandro Batistella / Paranismo: cultura e imaginário no Paraná da I República – Luis Fernando Lopes Pereira / Paranismo: arte, ideologia e relações sociais no Paraná. 1853 – 1953 – Geraldo Leão Veiga de Camargo /“Um pouco de arte do Paraná” em www.docs.ufpr.br / Site João Turin / Enciclopédia Itaú Cultural
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