Roteiros revelam a contribuição cultural do afrodescendente para a formação de Curitiba

Conheça os percursos que contam a história dos negros na capital paranaense

Por Kristiane Rothstein
Embora cerca de 30% da população de Curitiba seja composta por negros e pardos, ainda hoje pouco se fala da influência do africano na construção cultural e social da cidade. Para identificar e divulgar locais associados à memória negra na capital paranaense, duas iniciativas de percursos por logradouros abrem espaço para um olhar reflexivo e inclusivo.
A Universidade Federal do Paraná criou o AfroCuritiba – percurso que, antes da pandemia era feito mensalmente, aos sábados pela manhã, com um guia para relatar a peculiaridade de cada local, agora pode ser feito on-line pelo afrocuritiba.afrosul.com.br. O outro percurso é o Linha Preta Curitiba, criado por alunos de Jornalismo do Centro Universitário UniBrasil e pelo Centro Cultural Humaita. Hoje, o roteiro é organizado pelo Centro Humaita que também desenvolve outras iniciativas para dar visibilidade à presença afro na cidade.
O percurso desenvolvido pelo Projeto de Extensão da Universidade Federal do Paraná é coordenado pela historiadora Joseli Mendonça, que é quem faz a mediação dos roteiros. “Eu mesma gosto de ir guiando as pessoas no percurso. Há sempre uma troca de informações muito grande, então, nós ensinamos e também aprendemos com os participantes”, conta. Ela explica que os pontos para serem visitados foram definidos com base nas pesquisas históricas.

A historiadora Joseli Mendonça, mediadora dos roteiros AfroCuritiba. Foto: Divulgação

O percurso, que conta com ruas, praças e monumentos, foi criado em 2015 e hoje conta com nove locais para serem visitados e cerca de três quilômetros de caminhada. “Há locais que as pessoas nem imaginam a contribuição da presença negra na cidade.” Ela cita a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito e a Praça Zacarias, que era ponto de encontro de negros escravizados ou já livres, local em que no século XIX foi erguido um chafariz (para abastecer a cidade) pelo engenheiro negro Antônio Rebouças – irmão do André, que dá nome à Rua Engenheiro Rebouças, no bairro de mesmo nome.
“No dia a dia, as pessoas normalmente relatam a imigração europeia que Curitiba recebeu. Mas, ao fazer as pesquisas acadêmicas percebemos que a presença da população negra foi muito importante e se dá até desde antes dessas imigrações”, revela a professora, comentando que passada a pandemia, os percursos, que são gratuitos, voltarão a ser feito in loco.

O registro visual mais antigo como sendo de Curitiba, é uma pintura do pintor francês Jean Baptiste Debret, referente à região central da cidade, em que mostra um operário negro, trabalhando numa construção. Debret teria feito a pintura na Missão Artística Francesa ao Brasil, que ocorreu entre 1816 e 1831. Debret era conhecido por retratar e reproduzir imagens do que via, ou seja, se trataria de uma pintura do que de fato teria ocorrido

Para quem quiser saber mais sobre a pesquisa e o percurso criados pelo Projeto de Extensão UFPR, pode acompanhar a entrevista da professora Joseli Mendonça na próxima semana, dia 26 de novembro, às 20h, para a jornalista Thea Tavares, no Instagram Movimento Gota D’Água. Em debate, a “Invisibilidade e resistência histórica do negro nas cidades brasileiras”. A entrevista terá também a participação do historiador e pesquisador Carlos Mariano, colunista do Curitiba de Graça.

Linha Preta

Surgido também com os conhecimentos desenvolvidos nos bancos universitários, o outro roteiro que relata a presença negra na cidade é o Linha Preta Curitiba, com 21 pontos para serem percorridos em pouco mais de duas horas de visita. No mês de novembro as visita guiadas já voltaram a ser feitas e custam 30 reais por pessoa, com descontos para grupos maiores fechados.
“Cerca de 2 mil pessoas já participaram das visitas guiadas. Recebemos turistas de todos os lugares, crianças, pesquisadores… interessados no roteiro. Durante o percursos contamos aspectos históricos e culturais e também sobre personagens da histórias que são negros e foram embranquecidos nos livros e documentos e outros que, simplesmente foram apagados da história”, conta Melissa Reinehr, diretora do Centro Cultural Humaita.

Melissa Reinehr, diretora do Centro Cultural Humaita, e o pesquisador Candieiro. Foto: Divulgação

Melissa explica que a importância de percursos que revelam a memória da cidade vão muito além do aspecto turístico e intelectual. “Toda vez que não é mencionado a contribuição da cultura afro para uma cidade, um estado ou um país está ocorrendo o apagamento do negro na história”, sentencia. “Não se pode ser conivente com essa exclusão, é preciso contar essa história, resgatar a importância do negro para a construção do país.”
Para contar e dar relevância à presença negra na história das cidades, o Centro Cultural Humaita também passou a editar livros, entre os quais o “Oralidades Afroparanaenses” e o “Caderno Pedagógicos”, em parceria com a Secretaria de Educação do Paraná.

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Para agendar uma visita guiada, basta ligar para (41) 99161-7961 ou 98499-1845. Mais informações estão disponíveis no site https://linhapretacuritiba.wixsite.com/linha-preta.
Poema de Melissa e Candiero, em “Afrocuritibanos: crônicas, manifestos e pensamentos azeviche” (Curitiba: Editora Humaita, 2015)
CURITIBA AFRO
Um grito engasgado ecoou
E a Curitiba Afro se libertou
Mesmo com o apagamento
A história do negro
Hoje se revelou
Curitiba é negra
Afro Curitiba

Hoje na avenida vou louvar meus ancestrais
Busco invocar nossa história
Reavivar nossa memória
Na vida e no carnaval
De Zacarias a Rebouças
Se iniciam caminhos e novos trilhos
Que construíram nossa capital

Vou falar de Enedina
Mulher negra na engenharia
Com seu toque magistral
Também não me esqueço dos tropeiros
Os trabalhadores eram negros
E viviam na capital
Paraná estado mais negro do sul
Seu símbolo é gralha azul
Com uma cabeça singular
Passado presente na memória
Suas marcas são histórias
Deste povo milenar