Sobrevivencialismo: você está preparada para a falta de água?

Você está preparada caso fique sem o abastecimento da companhia de saneamento?

 

Por Claudia Lopes Borio

O sobrevivencialismo surgiu inicialmente nos Estados Unidos como uma disciplina ligada aos militares. No entanto, em face dos desastres ambientais, crises, desastres químicos, atômicos, geológicos, guerras e insurreições pelo mundo afora, ele tomou força como uma ideia que pode ajudar a salvar as vidas das pessoas em momentos de emergência.

Vou dar exemplos: no Haiti, as famílias mórmons que tinham estoques de comida alimentaram centenas de pessoas quando houve o famoso terremoto. Na Itália, famílias que tinham preparação para desastre salvaram dezenas de pessoas, fornecendo agasalhos, combustível e comida quando houve terremotos e estradas ficaram fechadas por nevascas. Na Califórnia, pessoas com preparação para desastres conseguiram escapar de incêndios florestais sem perder todos os seus documentos ou informações pessoais.

Nesta coluna, trato o sobrevivencialismo como um tema feminino, pois vejo muitas postagens e artigos sobre essa prática como algo próprio de machões, que andam pelo mato com botas de caminhada, grandes facas  e coletes cheios de bolsos, e quase nada sobre mulheres como sobrevivencialistas. Acredito mesmo que quem segura as pontas de uma família na hora do “pega para capar”, muitas vezes, são as mulheres e, especialmente, as mães. Mas, na verdade, o ideal é que a sobrevivência seja um tema discutido e cuidado por toda a família!

Hoje vou tratar de crises hídricas e falta de água, um tema que vem afligindo muita gente pelo Brasil. O país, que tem o maior rio do mundo em volume de águas e cujo território é cortado por vários rios incríveis, passa por crises de água e colapsos de sistemas de abastecimento. Todo mundo que acompanha as notícias viu que São Paulo já passou por crises e colapsos de um imenso sistema hídrico, que abastece diversas cidades e ficou reduzido a pouca água lamacenta. No Nordeste, as crises são uma constante, levando as pessoas a precisar utilizar carros-pipa para abastecimento, pagando caro por uma água que vem de longe. Em Brasília, já houve diversos racionamentos de água para evitar o colapso. No Sul, há longos períodos de seca, agravados pelas mudanças climáticas.

Enfim, todo mundo está sujeito, em um momento ou outro, a ficar SEM ÁGUA EM CASA. Isso é uma situação bem séria e complicada, pois, como sabemos, precisamos de água! Primeiro de tudo, para beber, depois para cozinhar, para fazer nossa higiene pessoal, para limpar a casa, para regar as plantas, para dar a nossos cães e gatos (o que é fundamental para nossa felicidade), para regar lavouras e hortas, para matar a sede de animais de criação, etc e tal.

Mas, como uma sobrevivencialista pode se preparar para passar por uma crise hídrica com o menor sofrimento possível? E o que eu entendo sobre isso? Bom, posso contar que uma vez passei 90 dias sem chuva, morando em uma região de cerrado, numa chácara onde o poço tinha 20 metros de profundidade. Isso mesmo! E eu tinha 20 cavalos, 16 vacas, 50 ovelhas e cinco funcionários. Ah, tinha um cachorro e um gato também. Então, todos nós sobrevivemos, inclusive, tomando banho todo dia e sem pedir carro-pipa.

Se você mora em um lugar que possa ser atingido por falta de água, primeiramente, vou recomendar: tenha uma BOA, uma GRANDE caixa d´água em sua casa. E se não tem, compre uma, ou duas, ou até três. Quanto maior o estoque de água, mais tempo você conseguirá aguentar sem precisar comprar água de carro-pipa. Hoje em dia, as caixas d’água estão muito baratas e vale imensamente a pena ter um bom estoque de água em casa.

Se você mora numa casa ou até mesmo num prédio onde as pessoas têm um pouco de visão, organize um sistema de captação e armazenagem da água da chuva. Uma caixa d’água pode servir para isso, assim como um tambor de plástico como aqueles utilizados para estocar produtos alimentícios (compra-se barato em depósitos de material usado). Não use tambor que tenha sido usado para produtos químicos, já que podem ter vestígios de substâncias venenosas. Um encanador jeitoso pode fazer uma instalação, onde uma calha despeja a água da chuva e você retira água com uma torneira. E até mesmo pode-se fazer a cloração dessa água, jogando cloro para piscina em uma quantidade correta. Note que essa água NÃO É BOA para beber, pois pode desenvolver algas e ter poluição, mas pode servir para o banho, lavagem de roupas, limpeza, rega de plantas, enfim, quase tudo. Assim, JUNTE ÁGUA quando estiver quase começando a estação seca, como é o caso do outono aqui no Sul/Sudeste, e deixe-a quietinha lá no seu tambor.

Se você sabe que está faltando água e que pode começar um racionamento em sua cidade, guarde também água em garrafas de água mineral ou mais tambores – faça um estoque em casa, pois isso poderá ser muito útil. Umas dez garrafonas já garantem banho e água para cozinhar por pelo menos uma semana, se forem usadas com muito cuidado.

E tem mais uns bons truques para fazer sua água da caixa render muito mais! Se a água armazenada nela normalmente dura uma semana, vou ensinar como fazer durar três meses. Você duvida? Pois eu já passei por isso e funcionou!

Vamos às dicas. A primeira coisa que gasta MUITA água numa casa é a descarga da privada. Para economizar, em tempos de falta de água você vai usar o mínimo de descarga. É isso mesmo. Vai usar só para o número dois, ou seja, só e somente só quando alguém fizer cocô. E o resto do tempo? Nada de descarga. Ah, mas vai dar cheiro de xixi! Vai mesmo. Colocando uma boa dose de cloro na privada você diminui o cheiro ruim – use cândida de lavar roupa ou um desinfetante perfumado, feche bem a privada e pense que está  fazendo uma super economia.

E tem mais: que água você vai usar para dar a descarga? A água tratada e limpinha da sua caixa? Não! Você vai guardar essa água ao máximo, de preferência, para BEBER. Para dar descarga, você vai usar a água do CHUVEIRO. Como assim? Você, como boa sobrevivencialista, vai comprar um equipamento indispensável para momentos de seca: uma boa bacia, e vai colocá-la no box do seu chuveiro. Todo mundo que tomar banho vai guardar água nela. Inclusive, as crianças adoram fazer isso. Essa água do chuveiro, que não é pouca, vai ser usada em baldes para dar descarga, limpar piso, lavar calçada e regar plantas – garanto que elas não morrem.

Vamos ao segundo maior gasto de água de uma casa: o CHUVEIRO! Sim, todo mundo gosta de um bom banho, de dez ou mais minutos, não é? Mas pense que você vai estar gastando sua água de beber! Então, a regra é chuveirada mínima e dentro da bacia. Abra o chuveiro, se molhe, feche a torneira. Se ensaboe, passe xampu, esfregue bem e abra novamente o chuveiro para se enxaguar. Um banho assim não gasta mais do que cinco litros de água! Eu já testei isso,  usando um baldinho e tomando banho de caneca. Dá super certo! A água que sai no seu banho é bastante limpa, a menos que você faça trabalho braçal, more no campo ou trabalhe em fábrica ou oficina e, mesmo assim, essa água ainda poderá ser usada para a descarga!

E tem mais: enquanto toma banho, você pode deixar uma roupa de molho na bacia e lavar ao final. Uma camiseta, calcinha, sutiã, entre outras peças podem ser, perfeitamente, lavadas na água do chuveiro, economizando um pouco mais de água.

Outra coisa que gasta uma quantidade imensa de água em casa é a máquina de lavar roupa. Normalmente, as máquinas lavam duas vezes e enxáguam duas vezes. São mais de 100 litros por lavada normal. Como diminuir esse consumo? Primeiro, só use a máquina quando tiver roupa suficiente, não use se for lavar uma ou duas peças . Depois, use pouco sabão – uma canequinha de sabão em pó dá para uma máquina cheia, não precisa encher a gavetinha de sabão até a boca, como os fabricantes querem, pois isso só serve para fazer espuma e não limpa mais. E você sabia que o sabão líquido pode ser usado diluído? Normalmente, uma embalagem de sabão pode ser diluída ao dobro, ou seja, vale por duas.  E regule a máquina para o ciclo mínimo sempre que for possível, com um enxágue só.

Quando a máquina estiver começando a enxaguar, seja estrategista e junte toda a água da lavagem em mais um tambor ou vários baldes. Novamente, essa água é muito limpa, a não ser que você faça trabalhos realmente pesados. Poderá ser muito bem usada na descarga, na lavagem de panos de chão, na lavagem da cama do cachorro e até para regar as plantas (não use amaciante de roupas se quiser utilizar a água para regar plantas).

Se a sua máquina for do tipo tanquinho, que aliás é muito econômica, pode usar a água de enxague para a primeira lavagem de mais uma leva de roupas bem sujas, como jeans, uniforme de futebol do filho,  roupas de criança arteira, uniforme de fábrica, coisas assim que poderão ser enxaguadas depois com água limpa.

E, finalmente: se você quer economizar ainda mais, também pode aproveitar a água que usa para lavar louça. Pegue uma bacia menor e lave toda sua louça dentro dela. Primeiro, molhe tudo, ensaboe com a torneira fechada e depois enxágue – nada de deixar a torneira aberta. Essa água pode ter gordura e algum resto de comida, por isso serve apenas para regar plantas, mas se você tem uma horta, poderá ficar feliz de salvar pelo menos as plantas favoritas.

Nessas horas é bom lembrar que um vazamento de água pode acabar com o seu estoque, por isso, confira torneiras pingando e manchas de umidade misteriosas nas paredes. Consertar tudo levará a contas de água bem menores, o que também é ótimo!

Durante os períodos de seca, fica proibido lavar calçadas e lavar o carro, você vai fazer isso somente o mínimo de vezes possível. Varra bem as calçadas e jogue pouquíssima água, somente para abaixar a poeira, se for necessário.  Seja como os franceses, que acham que lavar carro é besteira. Na verdade, lavar carro quase nunca é necessário, a não ser que você more no campo e não consiga realmente enxergar de tanta poeira (e mesmo assim, dá para lavar só os vidros).  Use aquela água usada do chuveiro ou da máquina e jogue com um balde, de modo bem econômico, nada de jogar tudo de uma vez só. Para lavar o carro, molhe primeiro, por partes, ensaboe e depois enxágue, sem desperdiçar água.

A última dica, mas talvez a mais trabalhosa, é organizar a sua comunidade. Ensine aos vizinhos como economizar água e difunda as ideias e vantagens da economia. Vá nas reuniões de moradores, fale com sua comunidade da igreja, participe de eventos, informe-se e mande cartas para seu vereador e prefeito pedindo ações de economia de água da chuva e proteção das nascentes. Também estimule a plantação de árvores perto de nascentes e nas margens dos rios, para que nunca falte água. A consciência é o maior bem ecológico do ser humano, mas, talvez seja um dos menos cultivados!

Boa sorte e não deixe de mandar suas críticas e sugestões para novos artigos.

 

 

Claudia Lopes Borio é consultora ambiental  e escritora. Faz parte da Comissão de Direito Ambiental da OAB-PR e possui uma empresa de comunicação especializada em cinema e educação sobre ciências e meio ambiente.

 

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