Modelo inovador curitibano: dos anos 70 até o surgimento das vias calmas. Mas, e agora?

Desde os anos 70, o modelo inovador do planejamento urbano de Curitiba teve sucesso e progresso. Mas, e a partir de agora, o que deve ser feito?

Por Wainer Luiz Louza Borges

Muitos fatores históricos como o planejamento urbano inovador e até mesmo o fechamento para carros da Avenida XV de Novembro em 1972 colaboraram para que hoje Curitiba possa e precise contar com suas duas Vias Calmas, que são avenidas importantes da cidade, porém mais humanizadas, com faixas compartilhadas com bicicletas e velocidade máxima de 30Km/h, e uma “Área Calma”, que ocupa 140 quadras na área central onde a velocidade máxima permitida é de 40km/h.

Inegável a influência positiva direta em nossa qualidade de vida advinda desses casos, afinal, somos a capital com maior número de carros por pessoa do país, então, ideias e políticas como essas precisam estar presentes hoje e também no futuro, afinal, são anos e anos para que o estabelecimento de uma cultura aconteça. Estão aí os projetos que, além de tudo, dão visibilidade para causa.

Você já deve ter ouvido falar que Curitiba é cidade modelo, título naturalmente polêmico. Fato é que capitais são polos para educação, saúde e mercado de trabalho e precisam encarar os problemas de ser uma metrópole. Há o bônus e o ônus. E fato também é que aqui pensamos o urbanismo na hora certa, ou seja, foi calculado e revisitado, de maneira técnica e criativa, prevendo o quão grande pode ser o crescimento de determinadas áreas, quais os seus usos, dimensões e etc, propiciando atitudes paliativas e inovadoras a serem tomadas antes do agravamento dos problemas.

Uma dessas alternativas foi trazer por meio dos eixos estruturais os serviços que inicialmente estavam apenas no centro, para áreas não centrais, que também contam com o sistema de transporte em grande escala que abrange praticamente toda cidade, os biarticulados. A própria administração e legislação municipal fez com que “o centro fosse esticado”, por meio daquelas ruas que chamamos de “canaletas”, por serem de uso exclusivo das linhas expressas, que é o setor estrutural, que permite um crescimento ordenado. Portanto, existe uma malha que são os eixos estruturais, apenas as quadras seguintes são residenciais, temos o eixo norte, o sul, o leste, o oeste e o eixo Boqueirão, que praticamente liga o Centro até São José dos Pinhais, na Região Metropolitana. Confira na imagem.

São nos eixos estruturais que os edifícios de maior porte estão e em suas bases existem galerias com lojas e serviços, fazendo com que as pessoas não precisem se deslocar até o centro. Além disso, essas avenidas fazem parte de um sistema trinário, com outras duas vias rápidas nas quadras paralelas, sendo uma em sentido bairro e a outra sentido centro. Os eixos contam com vias exclusivas para ônibus e outras duas para carros e motos nos dois sentidos – e agora, mais recentemente, uma faixa compartilhada e preferencial para bicicleta em dois desses sistemas, as chamadas vias calmas.

Muito interessante observar quanto a altura máxima permitida dos prédios: para cada quadra seguinte, legalmente, é necessário que os prédios sejam cada vez mais baixos, causando um efeito pirâmide.

Visando maior visibilidade ao ciclista e pedestre no trânsito como um todo, entre 2014 e 2016, na gestão do prefeito Gustavo Fruet (PDT), foram inauguradas as duas vias calmas em dois desses trinários e a Área Calma no Centro. Anos depois, estamos aqui começando a colher os frutos. As duas vias calmas estão na Avenida Sete de Setembro, com 6,3 quilômetros de extensão de ida e volta, e na Avenida João Guarberto/Avenida Paraná, essa última inaugurada em 2016 e que liga o bairro Santa Cândida ao Centro, com 14 quilômetros de extensão se somarmos ida e volta.

A Avenida Sete de Setembro é uma das mais importantes de Curitiba e a primeira Via Calma do Brasil, ela tangencia o Centro em sua porção Sul e vai até a Praça do Japão, no Batel. Os estudos do IPPUC já nos mostram dados animadores em relação ao número de ciclistas que foram contabilizados: 528 em 2013; 812 em 2014; 1.027 em 2015; e 1.226 bicicletas em 2016. Atualmente, há necessidade de livrar a canaleta para o novo ligeirão ultrapassar os outros ônibus, já que eles não param em muitos dos tubos.

Já a Área Calma, um projeto da mesma gestão, forma praticamente um quadrado, bem no centro da cidade, entre as ruas Inácio Lustosa e André de Barros (norte-sul), tendo à oeste a Visconde De Nácar e à leste a Avenida Mariano Torres. A Área Calma ocupa algo próximo 140 quadras bem no “miolo” da cidade, logo, são locais de altíssima movimentação de pessoas, além de serem ruas antigas com largura não tão interessante para carros, sejam transitando ou estacionados, pois são ruas são estreitas e com paralelepípedos, propiciando assim o não uso do automóvel.

A humanização é uma necessidade que vêm desde o início dos anos 70, e vem alterando, quer queira ou não, o cotidiano dos moradores e transeuntes do Centro da cidade. Os moradores praticamente se obrigam a pedalar e caminhar… O efeito dominó positivo na qualidade de vida acontece.

Além das 21 praças e jardinetes, do Passeio Público (primeiro parque no estado e que já abrigou o zoológico), existem mais de dez pontos de concentração de linhas de ônibus na Área Calma e proximidades. É nessa área, por exemplo, que encontramos o Terminal de Ônibus Metropolitano Guadalupe, a Praça 19 de dezembro e suas redondezas que também abrigam pontos de ônibus metropolitanos, ali pertinho o shopping Mueller e do Centro Histórico (Largo da Ordem, São Francisco e Alto São Francisco), cuja característica é residencial e artístico-cultural, agregando muitas pessoas, bares e restaurantes, além de escritórios, devido a sua ótima localização em relação ao Centro.

Seguindo pelo meio da Área Calma, ainda passamos pela Praça Carlos Gomes e Tiradentes (ambas com muitos pontos de ônibus e fluxo intenso de pessoas) e a Zacarias até a Avenida XV de Novembro, a charmosa Rua das Flores em sua porção destinada exclusivamente ao trânsito de pedestres, que diga-se de passagem, foi o primeiro calçadão do estilo no Brasil e inspirou outras cidades… Como é conhecida, a XV nesta porção, conta com duas praças importantes, a General Osório e a Santos Andrade, onde fica o Teatro Guaíra e o prédio histórico da UFPR, que é a primeira universidade do Brasil. Essas praças todas contam muitos, muitos pontos de ônibus, as viagens se tornam menos complicadas com menos carros e a segurança das pessoas aumenta ao transitar a pé. A Área Calma segue para Sul até a famosa e formosa Praça Rui Barbosa, local com maior quantidade e ponto de concentração de linhas de ônibus da cidade (chamamos assim quando não há terminal), são 60 ao todo. É um local com uma característica de passagem, apesar de contar com a chamada “Rua da Cidadania Matriz” e um forte comércio.

Com intenso o fluxo de pessoas nessa área, é necessário priorizá-las, reduzindo acidentes, horas e minutos no trânsito e estresse, possibilitando, assim, mais tempo para cuidar da saúde e qualidade de vida. Usando o exemplo de uma garrafa d’água sendo despejada num copo, quando a garrafa é virada a 90 graus e a água corre em sua velocidade máxima, caindo no copo, a água se “espatifa”, formam-se grandes bolhas na garrafa e se derramam dentro e fora do copo. As colisões da água são os acidentes, mas se viramos o copo lentamente, não há problema de atrito. No trânsito onde existe a Área Calma é igual: não haverão acidentes, pois há tempo para o carro frear ou para o pedestre perceber que está errado, muitas vezes não é nem necessário buzinar.

Lembrando que o sistema viário de Curitiba não corta o Centro, ele apenas o tangencia, ou seja, passa ao lado (por todos os lados) da Área Calma, que tem como resultado maior respeito entre pessoas, menor poluição sonora e do ar, uma sensação de tranqüilidade e cuidado com o próximo, uma velocidade dos carros compatível com o uso da bicicleta, com o transitar dos idosos, etc. Vale salientar que estão chegando empresas de aluguel e compartilhamento de bicicletas e patinetes, algo que aumenta ainda mais o fluxo e requerer mais atenção de todos! Além disso, também há a necessidade e complexidade da realização de educação no trânsito: em relação aos números de multas, já foram mais de cem mil na Área Calma.

Nem todos encaram o trânsito da mesma maneira, porém, perceba que um sorriso ou um pedido de desculpas pode melhorar seu dia ao volante. Relaxe! É importante saber que pontos de lentidão são comuns e que também existem outras rotas para chegarmos, descubra sua cidade! Nós estamos evoluindo, lembro quando ouvia muito falar: “Ah!, mas em Santa Catarina quando um pedestre coloca o pé na rua os carros param”. Pois é, sabemos que em Curitiba não é bem assim, mas alguém mais concorda que o cenário está mudando pra melhor? Vejamos o exemplo das travessias elevadas (que estão nas vias calmas, próximas aos terminais, escolas, etc), já é super comum os carros pararem ao menor sinal de pedestre se aproximando. Naturalmente, mais respeito aos ciclistas e pedestres acontecerá e assim por diante.

Quais serão os próximos degraus para subirmos e colaborar para um trânsito melhor? Fazer espontaneamente um dia da semana sem carro? Uber juntos? Caronas para os colegas? Uma dica que gosto muito, seja para qual for o meio de transporte, é evitar o horário de pico, para ter menos estresse em seu trajeto. Aproveite para ir a uma exposição, ao teatro, fazer cursos ou ver aquela(s) pessoinha(s) bacana(s) antes de ir pra casa. Vocês vão perceber os benefícios sociais, de saúde e ambientais disso tudo, é um ciclo da qualidade de vida! No trânsito somos todos iguais, somos todos pedestres.

 

 

Wainer Luiz Louza Borges  é gestor ambiental e professor e atua como produtor de eventos e cultural nas áreas de Educação e Gestão Ambiental.

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