No Brasil de hoje, onde o atual presidente teve uma fraquejada e dela nasceu uma menina, a culpa ser da mulher se acentuou. Mesmo ela sendo a vítima
Bebeti do Amaral Gurgel
Por causa da pandemia, assistindo BBB pela primeira (e última) vez na vida, é estarrecedor verificar o número de pessoas que exerceu com prazer o seu direto de votar pela eliminação da atriz Carla Diaz. Segundo o raivoso tribunal das redes sociais, a atriz de 30 anos merecia ser eliminada pelo abominável motivo de não ter se revoltado contra o então namorado escroto mesmo sabendo que ela não havia visto absolutamente nada contra ele. O que o público, diferentemente dela, assistiu.
No BBB, a atriz disputava um paredão contra Rodolffo Matthaus, um sertanejo que aparenta ser homofóbico, misógino e machista. Rodolffo, da dupla sertaneja Israel e Rodolffo, é rico, branco, hétero, cis, totalmente padrão da cultura dominante. Foi esse mesmo sertanejo que já havia indicado a atriz Carla Diaz ao paredão com o argumento sexista de que ela “tinha sido desleal ao namorado”. Com o poder de um juiz parcial, adquirido não se sabe onde, Rodolffo julgava que Carla era a culpada, numa acachapante inversão de culpa. A mesma inversão que se repete quando a menina de minissaia é culpada por ser estuprada. No Brasil de hoje, onde o atual presidente teve uma fraquejada e dela nasceu uma menina, a culpa ser da mulher se acentuou. Mesmo ela sendo a vítima.
No caso das declarações homofóbicas, o sertanejo diz que nasceu em uma cidade racista e machista e talvez por isso seja assim. A culpa, então, é da cidade. O ator José Mayer, na época, justificou que assediava mulheres e se achava no direito de tocá-las por culpa da educação recebida. Nesse caso, a culpa então é dos pais. Doca Street assassinou Ângela Diniz por “legítima defesa da honra”. Culpa dela. Mariana Ferrer, estuprada. Culpa dela. E, sabemos que a lista é enorme. Minissaia, cidade, pais, honra, a culpa nunca é dos homens.
Arthur, o namorado escroto em questão, se ajoelha e dá uma flechada em Carla com as mãos. O tribunal das redes sociais acha romântico. Tempos depois, Carla Diaz, lembrando-se do ato, faz uma associação e se ajoelha para o namorado. Mas aí o tribunal raivoso condena: o mesmo ato deixa de ser romântico e passa a ser humilhante. É humilhante uma mulher se ajoelhar, não pode, mas o homem pode. O homem pode tudo. Arthur é narcisista, machista, manipulador, em um dia se declara, já no outro sequer olha para a namorada, em uma clara relação abusiva de poder, mas a culpa é da mulher. Arthur admite para Carla estar apaixonado, no dia seguinte diz estar arrependido do que disse. A culpa é dela, a culpa é da mulher. O cara é um escroto, mas a culpa é da mulher. Se a relação é tóxica, a culpa é da mulher.
Empatia? Se colocar no lugar dela? Sororidade? Acolhimento? Nem pensar.
A Lei Maria da Penha identifica violência emocional e psicológica contra a mulher como crime. Atos abusivos como confundir, humilhar, desvalorizar, diminuir a autoestima, tirar a liberdade de ação (Carla disse para Arthur que já não sabia como se aproximar dele) são considerados atos de violência. Mas as redes sociais dizem que não. Na narrativa do tribunal das redes, a culpa é dela.
Mulheres que estão em relacionamentos abusivos precisam de apoio, compaixão, sororidade, acolhimento, compreensão. Quem não dá esses sentimentos é porque não tem.
Carla Diaz trabalha desde os dois anos, sobreviveu a um câncer, participou de 21 novelas, seis filmes, 15 peças de teatro.
Eu me ajoelho para você.
Bebeti do Amaral Gurgel é escritora, jornalista, feminista e tem vários livros publicados
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