Ressaca Cultural: O Tigre Branco

O Tigre Branco, que sob um olhar apressado parece ser mais do mesmo, surpreende e mostra as diferenças entre as classes sociais, a servidão e apresenta a realidade indiana de maneira crua e irônica. O filme, adaptado, concorreu ao Oscar e não decepcionou

Mariana Ramiro
Todo ano eu tento assistir a maior quantidade possível de filmes indicados ao Oscar antes da premiação. É um hábito que adquiri quando fiz um bolão com meus amigos em 2015 e, desde então, tento segui-lo.
Quando vi que o filme O Tigre Branco estava concorrendo ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, lembrei logo que o livro estava na minha estante há um tempo e eu ainda não o havia lido. Então, decidi correr para lê-lo e finalizar a leitura antes de assistir ao filme. Essa foi uma tarefa bem fácil de fazer. O livro, escrito pelo indiano Aravind Adiga e vencedor do Man Booker Prize de 2008, é rápido de ser lido e extremamente marcante.
Na obra, Balram escreve uma longa carta ao primeiro-ministro chinês sobre sua história de vida e sobre como se tornou um poderoso empresário na Índia. É através dessa carta que conhecemos sua trajetória. Ele nasceu em uma aldeia na Escuridão, a parte da Índia que pertence aos pobres. Segundo ele, hoje há apenas duas castas na Índia: a dos que têm barriga e dos que não têm. Ou seja, quem come bem e quem não come.
Na infância, Balram foi comparado a um tigre branco, animal raro que nasce uma só vez a cada geração, por causa de sua inteligência. Apesar de se destacar entre seus colegas de escola, ele foi obrigado a largar os estudos ainda jovem para trabalhar e ajudar a família. Seu destino e suas possibilidades, portanto, foram delimitados e havia pouco que se pudesse fazer para mudar essa situação.
Porém, ele era ambicioso e tinha um forte espírito empreendedor, que o levou por caminhos diferentes do resto de sua família: queria sair da Escuridão e chegar à Luz. Essa parece ser mais uma daquelas histórias de superação de uma pessoa que conseguiu se destacar e alcançar o sucesso financeiro e reconhecimento apesar de todas as adversidades, apenas com seu esforço e dedicação, abdicando das suas horas livres para trabalhar “enquanto os outros dormem” e tudo aquilo que estamos muito acostumados e cansados de ouvir. Mas, O Tigre Branco não é mais uma dessas histórias.
O livro é, na verdade, uma grande crítica às desigualdades sociais, ao sistema que privilegia e beneficia cada vez mais os mais ricos, que vê alguns seres humanos como melhores do que outros e que faz com que quem está lá embaixo na hierarquia das classes sociais não tenha a mínima condição de se enxergar nessa posição e, muito menos, de sair dela.
Apesar de trazer uma crítica bem universal, que pode facilmente ser traduzida e reproduzida em qualquer outro país do planeta, O Tigre Branco ainda nos apresenta a Índia sob a ótica dos mais pobres, aqueles pertencentes às castas mais baixas, de maneira crua, direta e, por vezes, muito irônica. Através da visão de Balram, que é motorista de uma família rica, conhecemos de perto as contradições desse sistema e a corrupção no país. A construção dessa ambientação e dos personagens é tão bem feita, que mesmo algumas atitudes moralmente questionáveis são, se não perdoadas, ao menos compreendidas pelos leitores.
Um daqueles livros marcantes, que mexem com diversos sentimentos do leitor e geram inúmeras reflexões e discussões. Quem sabe, a visão do Balram ajude a conscientizar as pessoas sobre questões de classe lá na Índia e por aqui também.
O filme acabou não ganhando o Oscar, mas a adaptação ficou bem fiel ao livro – na medida do possível –, então também recomendo que o vejam. Depois de ler o livro, claro! Garanto que não vão se decepcionar.
 

Mariana Ramiro é uma profissional de marketing apaixonada por livros desde que se conhece por gente. Ela também é dona do canal Ressaca Cultural, no YouTube, onde compartilha experiências literárias e cinematográficas e você pode acessar AQUI.

 

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