Mulheres Paranaenses: Artes decorativas e empreendedorismo por Iára Capraro

Paixão pelas artes de Iára Capraro se transformou em uma história de empreendedorismo de sucesso

Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
Iára Regina Airosa ou Iára Capraro, como é conhecida, nasceu no dia 9 de fevereiro de 1952, na cidade de Morretes, e compõe a prole de seis filhos do casal Dalila e João (Joanito Malucelli). Criada na quente cidade litorânea, Iára considera que sua infância foi bastante “natureba”, repleta de banhos no rio Nhundiaquara.
Da entrevista de Iára concedida as autoras, pode-se compreender que as habilidades com os trabalhos manuais foram passadas a ela pela mãe, já seu talento artístico e comercial advém das observações cotidianas das atividades do pai. Com sua mãe, Iára aprendeu a cozinhar, bordar e costurar. Ela conta que desde os 13 anos confeccionava suas próprias roupas. Sobre seu pai, Iara relembra que ele trabalhava em tempo integral na loja Malucelli, um estabelecimento comercial que vendia uma miscelânea de mercadorias, que ia desde secos e molhados até vestimentas. Durante as horas vagas, o pai de Iára pegava os papéis de embrulho e desenhava cavalos e figuras humanas. No entendimento de Iára, sua paixão por pintar, desenhar e inventar foi uma transmissão paterna. Em suas palavras: “Meu dom vem do meu pai, ele era comerciante, mas desenhava loucuras sem ter nenhuma instrução”. A mescla das competências herdadas somada às habilidades que ela buscou foram importantes para o sucesso empresarial de Iara no ramo da arte decorativa.
Com 17 anos, deixou a segurança da residência de sua família para acomodar-se em um pensionato em Curitiba e dar sequência aos estudos no Colégio Estadual do Paraná. Na capital, Iára residia no pensionato para moças da Associação Cristã Feminina, local no qual morou por aproximadamente quatro anos, e durante os finais de semana retornava para a casa dos pais.
Iára relembrou de suas pequenas transgressões artísticas em seu tempo de escola. Ela elaborava uma espécie de revista em quadrinhos composta de contos, pensamentos e desenhos, sendo essa uma atitude repreendida por sua mãe, que considerava isso como desrespeito ao material escolar. Iára conta que um dia o professor de português viu o caderno passar de uma mão para outra, por de baixo da carteira, e o pegou. Tratava-se de um caderno ilustrado de contos e Iára foi chamada para explicar o conteúdo que, na opinião do professor, não condizia com uma moça de sua idade. Como resultado, o professor a fez participar de um concurso literário, mas ela não se sentiu inspirada.
Sua formação no ensino superior foi por algumas vezes interrompida. O primeiro vestibular prestado por Iára foi para o curso de Artes da Universidade Federal do Paraná. Apesar de ter passado na seleção, não quis contrariar a opinião de sua mãe de que aquele “não era um curso para moça, pois lá desenhavam mulheres e homens sem roupas” (CAPRARO, 2020). Na discordância da mãe também com o curso de Jornalismo, segunda opção de Iára, ela ingressou, no ano seguinte, no curso de Letras da UFPR. Devido ao seu casamento com Romano Luiz Capraro e à transferência do casal para a cidade de Itajaí, Iára desistiu do curso da UFPR e ingressou no curso de Letras na cidade em que residia, mas também não concluiu a grade curricular. No retorno da família para Curitiba, não teve dúvidas em retomar seu sonho e ingressou em Artes na Faculdade de Belas Artes do Paraná, porém teve de optar entre os horários rígidos da graduação e as necessidade com os cuidados de seus dois filhos, sendo o curso novamente interrompido.
Mas sua paixão por artes persistia. Em suas palavras: “Ser dona de casa não atendia às minhas necessidades, eu precisava pôr para fora minha criatividade”. Nesse ínterim, buscou formas de conciliar suas habilidades artísticas e comerciais com as atividades de casa. Iára comprava 100 a 200 sacos, transformava-os, pintava-os e vendia-os para o mercado local. Tempos depois, enquanto os três filhos estavam em horário escolar, ela trabalhava para Ety Gonçalves Forte como desenhista e pintora de cerâmicas. Por volta de 1982, uma amiga a indicou para ocupar o lugar dela como professora na loja Monalisa Artes, onde ela dava aula de pintura em tela, em tecido e às vezes inventava na hora a atividade que iam praticar. O sucesso de suas aulas, agrupado à falta de mais oportunidade dentro do estabelecimento, levou-a a investir em seu negócio próprio.
Seus cursos de arte decorativa e pontos de venda variaram em diversos espaços físicos e em múltiplos suportes durante os mais de 35 anos de experiência que a acompanharam. Foi no apartamento da família, localizado no centro da capital, que Iára deu início às suas aulas particulares e não tardou para que estivesse com aproximadamente 100 alunas. Vendo o sucesso da filha, o pai aconselhou: “Iára, abra uma loja para você” (CAPRARO, 2020). O marido localizou o ponto na Travessa Jesuíno Marcondes e cada aluna colaborou com o que pôde.
A escolha do nome da loja é um episódio que vale ser relembrado. Iára contou que mostrou seis nomes e pediu para que as alunas votassem, mas ocorreu um empate entre as opções. Nesse mesmo momento, soou a campainha, tendo à porta uma senhora alemã em suas corriqueiras visitas. Iára narrou o momento:

Geno, é você que dará seu voto de minerva para a escolha do nome da minha loja. Ela leu, disse que todos estavam bons, que eu deveria colocar qualquer um e que ela faria questão de falar para todos irem à loja da Iára, pois ela conhecia de longe o desenho da Iára e a pintura da Iára. No momento, pensei que teria que procurar outra turma para tentar o desempate, mas naquela madrugada me deu um estalo: “eu já sei”, a Geno falou da Iára, o nome é Daiara, é fácil de falar e tem um som bom (CAPRARO, 2020).

Em 9 de fevereiro de 1985, Iára abriu a loja Daiara. Passados alguns meses, tamanho foi o sucesso que foi necessária a distribuição de senha. Ela conta: “Formava-se fila na Travessa Jesuíno Marcondes para a entrada na loja” (CAPRARO, 2020). Outro triunfo do período foi a criação das tintas Daiara. Ela narra que havia apenas as cores primárias para a prática da arte decorativa, o que dificultava a execução de trabalhos mais detalhados. No começo, ela e o marido transformaram as cores primárias em uma paleta de 12 variações, envazaram e denominaram-nas de tinta “PVA” (CAPRARO, 2020). Atualmente, as cores das tintas Daiara têm dezenas de variações e são produzidas na fábrica administrada por sua nora Ana Carolina.
No aniversário de 10 anos da loja, ela contou que fez uma vitrine para comemorar e que na data recebeu a visita de uma humilde moça que trazia uma recém-nascida no colo. A jovem lhe disse que apesar de não ter condições de comprar nada do que ali era vendido, sempre que ia até o centro da cidade visitava a vitrine e que gostava tanto daquele estabelecimento que resolveu colocar em sua filha, nascida no dia 2 de fevereiro, o nome de Daiara. Iára pediu para que a moça a aguardasse na parte térrea enquanto buscava uma recordação para a menina e, ao retornar com a lembrança para a recém-nascida, não havia mais sinal das duas. Ao recordar o ocorrido, com os olhos cheios de água e a voz trêmula, Iára disse que aquilo tinha sido para ela um presente, que aquele momento foi marcante e que ficou eternizado em sua memória. Em suas palavras: “Era um sinal, uma confirmação de meu trabalho” (CAPRARO, 2020).
Diante do pequeno espaço que dispunha na loja central, Iára passou a considerar que seus clientes e alunas mereciam algo mais amplo. Então, começou a descrever de que maneira queria o novo ambiente e, de acordo com as caraterísticas, seu filho disse que sabia de um local que se encaixa no perfil esperado. Por volta de 1996, Iára inaugurou na Rua Desembargador Westphalen a “primeira loja de artesanato informatizada do Brasil” (CAPRARO, 2020). Com o apoio comercial do marido e do filho, utilizaram as gondolas de farmácias para dispor os produtos para a arte decorativa e no mesmo local eram ministradas as aulas. “Foi um agito, tinha aula de tudo nas três salas de aula todas envidraçadas e a loja era gigante” (CAPRARO, 2020).
Passados os anos, Iára sentiu necessidade de conhecer as técnicas utilizadas em outros países. Essas feiras permitiram-lhe estar em contato com grandes empresários do ramo, participar de cursos com demais profissionais, conhecer uma variedade de materiais e observar a postura de renomadas artistas internacionais. Iára conta que nos seis meses posteriores à visita à feira dos Estados Unidos, começou a receber lojistas brasileiros da área de diversas localidades que queriam averiguar o modelo de funcionamento de sua loja. Outra novidade que ela adaptou no meio brasileiro foi o uso de vestimentas mais formais para a apresentação dos trabalhos. Ela narrou que em uma das grandes feiras brasileiras, que ocorre anualmente em São Paulo, procurou renovar seu guarda-roupa com ternos para a explanação de seus produtos e cursos. Quanto aos materiais, ela lançou pela sua marca a tinta acrílica, a cola gel, os papéis para decoupage e as variações de pincéis, produtos que Iára procurou adaptar ao mercado brasileiro. Em suas palavras: “Dessa maneira, fizemos o mercado mudar” (CAPRARO, 2020). Como forma de promover seus produtos, Iára passou a viajar pelo Brasil e ofertar cursos de arte decorativa. Em seu entendimento: “Como os vendedores iam vender os produtos sem conhecê-los?” (CAPRARO, 2020).
Sobre o processo de elaboração das peças, Iára diz que ao passar pelas prateleiras da loja, vê uma peça e consegue imaginá-la pronta e desse ponto começa a fazê-la. As combinações são inimagináveis para pessoas comuns, mas aos olhos de Iára todas elas se harmonizam. Ela afirma que ama todas as cores e que todas combinam entre si. “Meu trabalho é o de harmonizar” (CAPRARO, 2020). Em uma publicação, na sua página do Facebook, Iára complementa acerca de seu trabalho:

O artesanato é muito mais do que pintar peças, fazer colagens ou costurar. Quem faz artesanato sabe que é um alívio para a mente e para o coração, um momento de relaxamento e divertimento. Além de produzir lindas peças e até ganhar um dinheirinho extra, o artesanato também pode ser terapêutico, trazendo tranquilidade e acalento (CRIATIVIDADE SEM LIMITES, 2019).

Da preparação das peças e do passo a passo surgiram os cursos que eram ministrados. Pelo Governo do Estado do Paraná, Iára viajou por muitas cidades ministrando cursos de como reciclar e transformar, por meio de arte decorativa, aquilo que se retira do lixo em produtos para venda. Por volta do ano de 2005, Iára passou a apresentar seu programa Criatividade sem Limites, transmitido pela Rede Mulher, TV Aparecida e CNT. Além disso, seus cursos também eram vendidos em formas de revistas nas quais Iára aparece em fotos demonstrando o passo a passo e os materiais utilizados em cada fascículo. Esses suportes e cursos demonstravam de forma fácil como colocar em prática as técnicas aprendidas. Iára diz: “Meu sistema é fácil, qualquer um pode fazer” (CAPRARO, 2020).
Com o advento da internet, Iára manteve-se conectada às inovações. Sua página no Facebook, intitulada Criatividade sem limites, é curtida por 644.874 pessoas; no Instagram “iaracapraro_oficial”, são 11.542 seguidores; e seu canal no YouTube, Artesanato por Iára Capraro, conta com 249 mil inscritos. Por meio dessas plataformas digitais, Iára oferece vídeos explicativos para seus alunos virtuais, dá dicas e mostra novidades. Ela conta que tem seguidores no mundo todo e que sempre recebe mensagens de estrangeiros dizendo que não entendem nada do que ela fala, mas compreendem tudo o que ela faz. Tal interação possibilitou-lhe fazer uma live com uma russa, a qual foi assistida por mais de 14 mil pessoas. Sobre seus seguidores estrangeiros, Iára considera: “É uma coisa louca pensar que lá do outro lado do mundo tem um monte de gente que me segue” (CAPRARO, 2020).
Ela considera que por meio desses canais é possível assistir, comprar e criar. Todos os espaços virtuais dão acesso à página da loja Daiara. Ela ainda narra que, para esses espaços virtuais, conta com o trabalho de sua filha Bruna na produção das imagens e vídeos e de seu neto Giovanni para as vendas on-line. Ademais, encontram-se disponíveis para a compra dois cursos completos elaborados pela Iára, produzidos e dirigidos por Bruna.
Sobre os questionamentos acerca de como conseguiu fazer com que o empreendimento em artesanato desse certo no Brasil, Iára reitera a importância da família durante toda a trajetória. “Eu dou as coordenadas, mas trabalhamos em equipe” (CAPRARO, 2020). Quem conduz a fábrica de tintas chamada Talento é a nora Ana Carolina, a importadora Prima Importados é administrada pelo filho Rogério, ambas empresas utilizam a logo Daiara; a filha Bruna e o neto Giovanni a regem nas questões das plataformas digitais; e o marido a agencia na parte financeira e contábil. Iára também faz questão de salientar que é possível encontrá-la na loja de segunda a sábado e que seus vídeos são gravados naquele espaço e reitera: “não espero dinheiro fácil, eu acredito no trabalho” (CAPRARO, 2020).
Iára vive atualmente em uma casa que dispõe de ampla área verde e em seu quintal há várias aves. No interior da residência, ela exibe a coleção de estatuetas de galinhas e de pratos. Em seu vídeo intitulado 22 fatos curiosos sobre mim, Iára diz ser “boa de garfo” e que adora abacaxi doce. Ela ainda expõe seu signo do zodíaco – aquário – e a característica marcante de enxergar para o além, revelando ser meticulosa e perfeccionista. Sua bem-sucedida carreira como empreendedora no meio das artes decorativas corrobora suas particularidades destacadas.
Agradecemos à professora e empreendedora Iára Capraro pela entrevista concedida em 15 de dezembro de 2020 e pela autorização de uso da foto

Referências

 


Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.

 
 
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1 COMENTÁRIO

  1. Como aprecio seus trabalhos e aprendo muito com vc não perdia um programa de tv onde vc ensinava moro em Goiânia mais te sigo para aprender mais um FELIZ ANO NOVO

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