Essa música tem história: Deixa isso pra lá

“Deixa que digam, que pensem, que falem. Deixa isso pra lá, vem pra cá, o que que tem? Eu não tô fazendo nada, você também. Faz mal bater um papo assim gostoso com alguém? ”

jair rodrigues
Jair Rodrigues é considerado o primeiro rapper brasileiro. Foto: Reprodução/Facebook

Por Irma Bicalho
O samba “Deixa Isso Pra Lá” imortalizou o intérprete Jair Rodrigues, que o gravou em 1964. Quem não conhece esse sucesso? Se Wilson Simonal soubesse do carisma da composição de Alberto Paz e Edson Menezes, talvez não a tivesse recusado quando lhe ofereceram. Essa música é cheia de histórias interessantes, que vão além do desprezo de Simonal.
Para começar, em questão de estilo, esse samba é considerado o primeiro rap do Brasil. E isso talvez se deva ao jeitão descontraído de Jair Rodrigues, que com maestria falava os versos iniciais com mais cadência que melodia e ainda usava as mãos para marcar o ritmo e colar uma dancinha que até hoje temos vontade de executar ao cantar a música.

Um jantar promissor

Em 1964, Jair Rodrigues já tinha gravado dois LPs. Ele era crooner (denominação utilizada para cantor de vários gêneros musicais) nas boates paulistas. Certa noite, numa boate da Rua da Consolação, o produtor musical Walter Silva foi jantar com sua esposa. Talvez para desanuviar a mente das preocupações que o atormentavam. Há poucos dias do show “Dois na Bossa”, no qual Baden Powell dividiria o palco do Teatro Paramount com Elis Regina e o Jongo Trio, Walter ficou na mão quando Powell teve que viajar para a Alemanha. No jantar da Boate Cave, a jinga e a presença de palco de Jair chamaram a atenção de Silva, principalmente ao ouvir “Deixa isso pra lá” e, não deu outra, o sambista foi convidado a dividir o palco com Elis, começando aí uma longa história de sucesso e amizade.

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Com apenas três noites em cartaz, de 9 a 11 de abril de 1965, o show foi transformado em um LP que vendeu mais de um milhão de cópias e consagrou a dupla de intérpretes. Os dois, posteriormente, foram convidados pela TV Record para estrear o “O Fino da Bossa”, programa de grande sucesso nos anos de 65 a 67, e que resultou na gravação de mais três LPs.
E sobre a letra da música? O que significa esse negócio de deixar pra lá? Quem são eles? Os que dizem, os que pensam e os que falam? Considerando a época em que foi composta, fica claro que é um desabafo sobre a tensão política que o país vivia em 64, buscando um clima de tranquilidade e despreocupação, apesar dos pesares.

História em um parágrafo

Depois de perder três eleições presidenciais, em 1945, 1950 e 1955, a UDN aliada ao PTN conseguiu emplacar Jânio Quadros, em 1960.Porém, naquela época, o vice-presidente era eleito em separado e o vice de Jânio não recebeu votos suficientes, deixando o lugar para João Goular, o Jango, do PTB, partido que representava o legado de Vargas. Com a renúncia de Jânio em agosto de 1961, Jango se torna o novo presidente. Mas os setores mais conservadores da sociedade instalaram o Parlamentarismo. Através de um plebiscito, o presidencialismo retorna no início de 63, aumentando a tensão política entre os conservadores e a esquerda.  Jango era retratado por seus adversários como comunista.

Reação dos artistas

Com o golpe de 64, a classe artística se manifestou de diversas formas. Alguns deixavam claro a insatisfação e sofreram por isso duras formas de censura, sendo monitorados e perseguidos. Muitos foram exilados, como Caetano Veloso, Geraldo Vandré e Chico Buarque.
No caso de Jair Rodrigues, o artista permaneceu neutro. Não tinha um discurso contrário ou favorável aos militares e tocou sua carreira deixando tudo pra lá.
Polêmicas à parte, Jair foi um grande intérprete brasileiro. Sua alegria contagiante o marcou e o sucesso de “Deixa isso pra lá” alavancou sua carreira. Teve dois filhos, também músicos, Jair Oliveira e Luciana Mello. Morreu em maio de 2014, deixando 47 discos gravados.
Confira uma apresentação de Jair Rodrigues cantando “Deixa isso pra lá” e “Vem chegando a madrugada”