No mês de agosto é comemorado o dia do estudante, esse sujeito quase sempre tragado pelo autoritarismo que se produz nas salas de aula, em que o silêncio é geralmente sua única língua
Por Rudá Morais Gandin
No mês de agosto é comemorado o dia do estudante, todavia sem muito destaque na maior parte dos casos. Tirando as organizações estudantis, eu diria que poucas são as pessoas que celebram ou recordam dessa data. De qualquer forma, vou aproveitar o ensejo para falar a respeito desse sujeito, quase sempre tragado pelo autoritarismo que se produz nas salas de aula, em que o silêncio é geralmente sua única língua.
Observando as manifestações sobre o dia do estudante nas redes sociais, confesso que encontrei muita dificuldade para localizar uma publicação que falasse das lutas estudantis, seja em defesa da educação ou a favor da democracia. Apesar disso, não me resta dúvidas que, cada vez mais, o estudante é reconhecido por seu engajamento político, o qual pode ser observado numa excursão pela história recente do nosso país.
Embora a participação dos estudantes na vida política do país seja mais conhecida por sua atuação contra a ditadura civil-militar, que se instaurou no Brasil em 1964 e teve seu fim na década de 1980, ganhou destaque nos últimos anos o movimento de ocupações das escolas, ocorridas em 2015 e 2016, em que os estudantes se posicionaram contra a chamada “reorganização escolar” no estado de São Paulo e a implementação do teto de gastos e a reforma do ensino médio, propostas, no primeiro caso, pelo ex-governador Geraldo Alckmin, e, no segundo, pelo ex-presidente Michel Temer. Também é importante destacar a onda de mobilizações que tomaram as ruas no começo do ano passado, posicionando-se contrariamente aos cortes de recursos na educação, levados adiante pelo atual do governo do presidente Bolsonaro. Esses exemplos nos dão pistas de que os estudantes “ainda estão famintos” e que, talvez, nunca possam ser saciados, principalmente num cenário como o nosso, onde a educação parece ocupar sempre o último degrau das “prioridades” dos governantes.
Desse modo, parece-me impossível ocupar a posição de estudante e não ser crítico, haja vista o descaso com o qual se trata não só a escola pública no país, mas também os espaços em que se poderia fortalecer a democracia, como os conselhos municipais ou regionais, que se destinam a promover o controle social das políticas públicas. No entanto, muitas são as maneiras de silenciamento que se impregnaram nas salas de aula e que acabam por cumprir o desejo do atual presidente, revelado em abril do ano de 2019 : “queremos uma garotada que comece a não se interessar por política, como é atualmente dentro das escolas, mas comece a aprender coisas que possam levá-las ao espaço no futuro”. Darei dois exemplos.
O primeiro está relacionado às reflexões críticas de Paulo Freire sobre educação, que ao analisar as relações entre educador e educando nas escolas, observou que elas apresentam uma característica especial, a de serem “relações narradoras, dissertadoras”, que se resumem a narração dos conteúdos, onde quem narra, nesse caso o professor, conduz os estudantes “à memorização mecânica do conteúdo narrado”. Esse processo de educação, a qual Paulo Freire chamou de “bancária”, o conhecimento seria uma “doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber”. Nessa visão, ao estudante é concedido apenas o seu silêncio, uma vez que, na sala de aula, ele deveria ser “preenchido” pela narração dos conteúdos feita pelo professor e não incentivado a discutir, pensar ou se interessar por política. Isso me lembrou o livro de Chales Dickens, “Tempos difíceis”, em que uma das personagens fora submetida ao ensino dos “Fatos”, nada além disso. Decerto é o que desejam alguns governantes, o aprendizado de “conteúdos”, sem admiti-lo criticamente, no intuito de buscar impedir o que historicamente os estudantes sabem fazer: questionar.
O segundo diz respeito a ideia de que os estudantes não possuem capacidade de “pensar com a própria cabeça”, e que, portanto, devem ser domesticados, a fim de obedecerem quem supostamente sabe mais que eles. Existe de alguma forma um pensamento que o olha como alguém que está numa eterna construção e, por isso, não detém condições de pensar, tomar partido e se posicionar diante das circunstâncias que solapam o seu direito à educação, por exemplo. Todavia, sabemos que não é bem assim. Os estudantes possuem suas próprias bandeiras, projetos educacionais e devem, sim, participar da vida política do país, e, obviamente, discutir política, embora isso incomode muita gente. Destaco, contudo, que não são todas as salas de aula que usam do autoritarismo, que silencia e impede os estudantes de expressarem suas posições e sentimentos. Observo que tem crescido o número de ações cujo principal objetivo é dar voz aos estudantes e estabelecer medidas mais democráticas nas escolas, todavia compreendo, também, que isso nunca se dá sem luta, crítica ou pressões.
Encerro este texto demarcando que a escola não é só um lugar que deva ser ocupada pelos “conteúdos”, pois há questões fundamentais que ela deve trabalhar, e este momento de pandemia no qual vivemos pode nos ajudar a pensar quais são essas questões, inclusive pode contribuir para refletirmos sobre os estudantes, esses sujeitos que inconformados com a política que, volte e meia, tenta subtrair seus direitos, rebelam-se.
Referências
- FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019
Rudá Morais Gandin é mestrando em Educação da PUCPR. Pedagogo e especialista em Políticas Educacionais pela UFPR. Atuou como professor de Educação Infantil na cidade de Curitiba
Oi, Alexandra, sim, temos que toma-los como agentes que podem provar mudanças profundas, seja na escola ou na sociedade.