De Lava-Jato aos sentimentos profundos, Rodrigo Garcia Lopes traz uma poesia diversa em novo livro

Nova obra do escritor londrinense, “O enigma das ondas”, percorre de maneira consistente diferentes temas e estruturas poéticas

Por Camile Triska
Uma reflexão poética de assuntos que vão além dos nossos sentimentos e fazem pensar sobre questões sociais e políticas em um passeio por variados estilos que nunca perdem a consistência. Assim pode ser descrito o recém-lançado livro “O enigma das ondas” (Editora Iluminuras) do jornalista, poeta, escritor, tradutor e compositor londrinense Rodrigo Garcia Lopes.
Sua nova publicação traz os mais diferentes temas, incluindo o “ser poeta”, pandemia e Lava-Jato, mas que, segundo ele é “centrada na metáfora do poema como uma sequência de ondas recorrentes”.
Não se prender a uma única forma é uma característica não só do poeta, mas de todo o trabalho de Rodrigo, que tem na escrita uma impulsionadora de sua vida. “Todas as minhas atividades têm a palavra como centro. Comecei a escrever ainda criança, intensificando a prática na adolescência. Aprendi a tocar violão aos 10 e comecei a compor aos 14”, lembra.
Sua carreira é ampla: no Jornalismo fez parte do histórico jornal literário Nicolau, de Curitiba, e foi coeditor da renomada revista de arte e literatura Coyote, entre outros veículos de comunicação. Na área literária é tradutor, poeta e professor, mas, também tem incursões pela música, pelo cinema, pelo teatro e também na fotografia – nessas últimas como curador, consultor ou jornalista, incluindo o primeiro festival literário de Londrina, o Londrix, e o Festival Internacional de Teatro de Londrina.

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Entre seus livros publicados, há poemas, traduções, entrevistas e romance, muitos finalistas em diferentes premiações, como o Prêmio Jabuti, no qual concorreu por três vezes. Sua poesia já foi incluída em listas de melhores livros e diversas antologias no Brasil e exterior, como o poema “Stanzas in Meditation”, que faz parte da antologia “Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século”, lançado em 2001. Em 2018, seu ensaio-livro “Roteiro Literário – Paulo Leminski”, lançado pela Biblioteca Pública do Paraná, foi um dos vencedores do Prêmio Biblioteca Nacional de 2019 na categoria Ensaio Literário.
Na entrevista para o Curitiba de Graça, ele conta mais sobre “O enigma das ondas”, suas inspirações e processo de escrita e seus próximos passos, que continuam percorrendo pelas diferentes áreas que a arte da escrita é capaz de alcançar.
Como foi o processo de escrita do “Enigma das ondas”? Quando os poemas começaram a surgir?
O livro começou a ser escrito em 2015, logo depois que publiquei “Experiências Extraordinárias” (2015). Os últimos poemas que incluí no livro foram escritos em agosto deste ano, já em plena pandemia, o que acabou se refletindo em alguns poemas do livro. São 91 poemas, organizados em quatro seções distintas: lingua, pandemonium, loci e mentis. Foi um processo doloroso, às vezes divertido e suave em outras.
O livro traz as mais variadas temáticas. Você faz alguma relação entre elas?
Gosto de pensar que o livro tem uma unidade, centrada na metáfora do poema como uma sequência de ondas recorrentes, do poema como uma zona de arrebentação. É o que move o poema que abre o livro, “Aéreo Reverso”, e outros como “Canto Único” e o poema longo que fecha e sintetiza o livro de alguma forma, “O enigma das ondas”.
A pandemia, a delação premiada estão entre os temas das poesias do livro… Por que traduzir essas questões sociais e políticas em poemas?
Sim, o golpe à presidente Dilma, os absurdos do atual desgoverno, as delações premiadas e a Lava-Jato, a desesperança atual e a pandemia são pano de fundo ou tema de vários poemas, sobretudo os da segunda seção. O importante, para mim, é escrever poemas políticos de qualidade, caso eles se imponham por necessidade, mas sem ser panfletário, sem cair no “discurso” e, acima de tudo, sem nunca descuidar da forma ou da tensão entre forma e significado. Alguns poemas do livro foram terminados já em plena pandemia, os últimos em agosto de 2020 (este ano distante), como “Sextina”, “Pandora”, “Sextina: o Dia da Marmota”, “Autópsia”, “Tritina: writer´s block”, “Tritina para Orfeu”, “Tritina: alba” e “Tritina: sumi-ê”.
Suas inspirações vêm do cotidiano? É uma herança do jornalista poeta?
Acho que sim. É difícil escrever poemas políticos ou colados aos acontecimentos atuais. Um desafio. Creio que alguns poemas de segunda seção são marcados pela experiência com o jornalismo, sim.

 
Outra característica do livro é o passeio por diversas formas e estilos. Isso é algo natural, que acaba acontecendo quando está escrevendo, ou a escolha em cada poema é intencional?
Acho que é uma característica da minha poesia desde que comecei a escrever. Talvez esta ausência de estilo seja até um estilo, não sei, isso os críticos e leitores poderão dizer. Sempre achei que o poeta contemporâneo não pode abrir mão de todo o repertório de formas produzidas pela humanidade até hoje, da anáfora bíblica ao rap, da sextina ou pantum ao poema longo e paratático. Acho que cada poema pede uma forma específica. Creio haver um motivo, mesmo que inconsciente, para que um poema seja um soneto e outro uma sextina. Uma frase como “O poema nasce enquanto o procuramos”, de Estúdio Realidade (2015) pode dar origem a um poema que fala justamente de bloqueio criativo “Tritina: writer´s block”.
Falando sobre o seu trabalho, você também já fez traduções de poesias de renomados autores, como o francês Arthur Rimbaud e os norte-americanos Walt Whitman, Sylvia Plath e Laura Riding, que inclusive foi tema de uma tese sua. Essas traduções acabam influenciando os seus poemas?
Comecei a traduzir por volta dos 16 anos, depois de tomar contato com as traduções dos irmãos Campos e com ABC da Literatura, de Ezra Pound, onde o poeta americano defendia a tradução como uma espécie de laboratório poético, um instrumento importante para o poeta iniciante (e mesmo para o veterano, eu diria). O Pound dizia que ao traduzir você consegue reencarnar o poeta, sua linguagem específica, além do tempo desse poeta, repoetizar o original em sua língua. Traduzir, para mim, também é uma oficina poética, onde eu exercito outras linguagens, outras vidas, outras subjetividades. É uma espécie de academia de ginástica poética.
Você também já escreveu um romance policial, “O Trovador”. Como foi sair dos poemas para uma longa narrativa? Você tem intenção de escrever novos romances?
“O Trovador” foi um trabalho que consumiu uns 8 a 9 anos. Ele se passa em Londres, Escócia, Londrina e Rolândia nos anos 30. Tem como pano de fundo a colonização de Londrina e do norte do Paraná por uma companhia inglesa chamada Paraná Plantations. É um romance policial clássico. O livro foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura na categoria “Primeiro Romance de autor com mais de 40 anos”. No momento estou escrevendo outro romance policial que, espero, leve menos tempo para terminar.
Você já está trabalhando em outro livro ou qual é o seu próximo projeto?
Neste momento estou trabalhando na divulgação de “O enigma das ondas” e terminando uma tradução (poesia francesa do século 20). Quero retomar o romance policial que estava escrevendo antes da pandemia. Diferente de “O Trovador”, que se passava em 1936, este se passará nos dias atuais. Estou revisando “Foi tudo muito súbito: um ensaio sobre Paulo Leminski”, que vai sair pela Kotter (trata-se de uma nova edição de “Roteiro Literário – Paulo Leminski”, que está esgotado, um dos três vencedores do Prêmio Biblioteca Nacional na categoria Ensaio Literário em 2018). Também pretendo gravar um disco de canções inéditas no ano que vem.
“O enigma das ondas” está à venda na loja virtual da Editora Iluminuras, em formato impresso e e-book, e também nos principais e-commerces e livrarias de todo o Brasil.
 
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