Com textos sensíveis combinados a imagens de apurada técnica, André Neves acredita que as narrativas verbais e visuais andam juntas
Tina Demarche
Era uma vez… um ser humano como qualquer outro. Isso é o que ele diz! Porque esse ser humano como qualquer outro, que nasceu em Recife (PE) no ano de 1973, é um artista. E um artista é sempre alguém com uma visão um pouco diferente de mundo. Ele vê coisas que outras pessoas comumente não veem ou não estão treinadas para enxergar. Um colorido ali, uma ideia lá, um traço aqui, uma mensagem no ar.
Ele é André Neves, escritor e ilustrador, que se dedica aos livros para a infância, com uma ênfase na formação de leitores. Seus textos são sensíveis, muito poéticos. Combinados às imagens de apurada técnica, possuem estrutura dinâmica. Componentes que agradam a leitores de todas as idades.
André foi desde criança um artista e um leitor. Para ele, autor de narrativas tanto verbais quanto visuais, as linguagens andam juntas, abraçadas. “Ser artista impulsiona uma curiosidade leitora”, explica. Muitos de seus livros trazem de forma fantástica, ficcional, uma autobiografia.
Ainda bastante jovem, esse artista é reconhecido nacional e internacionalmente por seu trabalho. Atualmente mora em Florianópolis (SC), ministra cursos e workshops sobre leitura e imagem e é professor docente da Scuola Internazionale d’Illustrazione Stepán Zavrel, na Itália, desde 2012.
Acompanhe comigo esta entrevista.
TD – Quem é André Neves?
AN – Um ser humano como qualquer outro. E artista.
TD – Quantas são as suas obras?
AN – Tenho um número significativo de livros publicados. Não conseguiria listá-los aqui. São mais de 130 ilustrados e 20 autorais. Escritos e ilustrados por mim.
TD – Quando inicia o projeto de um novo livro você pensa em qual público pretende alcançar? Ou acredita, como Drummond, em Opiniões de Robinson, que “Não há escritores para homens e escritores para meninos. Há somente bons e maus escritores”?
AN – Penso em uma ideia. Um livro ficcional precisa de uma narrativa. Um início, meio e fim. Com um conteúdo significativo e estrutura conceitual. Só penso no leitor quando percebo que a ideia criativa inicial poderá virar um livro. Direcionando-me para alguns detalhes técnicos de estrutura e composição.
Em relação a um texto, puro, limpo, redigido em folha branca. “Para escrita”. Sim, podemos considerar o pensamento do Drummond.
TD – Existe algum trabalho seu que fale mais ao seu coração?
AN – Todos me dizem algo e dialogam com o tempo e o espaço em que foram criados.
TD – Como é o seu processo criativo? O start vem mais facilmente de uma imagem, uma palavra, uma situação, por exemplo?
AN – Das três situações. As ideias estão em nuvens. Basta estar atento para saber onde cairão e receber a chuva.
TD – Definido o assunto do próximo livro, você parte primeiro do texto ou da ilustração? Ou não há regra?
AN – Não há regras.
TD – Você acredita ser mais fácil ou mais difícil o trabalho de quem é o autor das duas narrativas – verbais e visuais? Digo, em comparação a quem faz isoladamente esses trabalhos e, por isso, acaba dependendo de outro profissional.
AN – Como domino as duas linguagens se torna mais fácil. Porém, sou mais exigente comigo. É preciso uma boa ideia para dar vazão a um bom projeto. Sendo bom, multiplicam-se as possibilidades e o desenrolar até o final.
TD – Antes de cada trabalho, há que tipo de pesquisa?
AN – Depende de como desejo contar. Se o texto ficcional vem de algo livre tenho maior liberdade. Nesse sentido, a questão da imagem pode priorizar a pesquisa. Para centralizar o espaço, personagens, contexto e a forma da história.
TD – Quais os prêmios que já recebeu?
AN – Entre textos e imagens, foram alguns prêmios e distinções. Selos de livros “Altamente Recomendável” e alguns prêmios concedidos pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ); cinco prêmios Jabuti; quatro prêmios Açorianos de Literatura; Troféu Monteiro Lobato, concedido pela Revista Crescer; Prêmio Álbum Gráfico; Feria del Libro Infantil y Juvenil, México, 2010; e o Prêmio Speciale Concourse Lucca Comics Games em 2007, Itália. Mostras, exposições e seleções em catálogos internacionais são como prêmios. E os leitores são o reconhecimento maior.
TD – É comum ter ideias para mais de um projeto de literatura ao mesmo tempo? Como você os prioriza?
AN – Sim, sempre. Mas ficam como ideias, anotações, instigações para o futuro. No agora desenvolvo um a um.
TD – Você foi uma criança leitora?
AN – Sim. Amém! E artista desde sempre. Ser artista impulsiona uma curiosidade leitora para desenvolver-se.
TD – Buscou preencher com seu trabalho alguma lacuna que encontrou quando criança ou jovem?
AN – Nunca. O que relaciono com o passado se transforma no presente com fantasia. Minha autobiografia acontece em livros de forma fantástica. Ficcional.
TD – Na sua opinião, qualquer tema pode se transformar em um livro?
AN – Sim, qualquer assunto. Para crianças ou adultos. O importante é a forma de ser narrado.
TD – É possível contar sobre os próximos projetos?
AN – Tenho dois livros para adiante. Sem tempo previsto.
QUEM INDICA O QUÊ
Lúcia Burzynski Bialli desde criança se identificou com a leitura e talvez por isso tenha escolhido o curso de Licenciatura em Letras. Especialista em Língua Portuguesa, sua paixão pela leitura levou-a a profissionalizar-se em revisão de textos, trabalhando com materiais didáticos, paradidáticos e científicos. Depois que se tornou mãe, suas leituras ficaram mais direcionadas à literatura infantojuvenil, mas entre uma obra e outra que lê com o filho, ainda destina um tempo para as leituras de suas obras preferidas, entre elas, os bons romances. Lúcia indica o livro O Meu Pé de Laranja Lima.
“O Meu Pé de Laranja Lima é um clássico da literatura brasileira que encanta, pois conta a história do Zezé, um menino de seis anos como qualquer outro, que faz travessuras e traquinagens, mas, acima de tudo, vive uma vida difícil, num lugar modesto, com uma família pobre e sem luxos, que encontra no pé de laranja lima, o Minguinho, o irmão mais velho e carinhoso, com quem desabafa todas as suas angústias e os maus-tratos que sofre mesmo sendo apenas uma criança.
Nessa obra do escritor brasileiro José Mauro de Vasconcelos, que teve sua primeira edição em 1968, sendo adaptada para a televisão, o cinema e o teatro, somos convidados a conviver com a dura realidade de muitas crianças hoje no país, que apesar de terem proteção legal, frequentemente encontram dentro da própria família, que deveria ser a sua principal protetora, os mais atrozes abusos.
A cada página do livro, torna-se cada vez mais apaixonante o encanto por esse menino, que apesar das amarguras que o mundo lhe impõe, colore a vida com sua fantasia e a esperança de uma vida melhor. A alegria e a tristeza não poderiam ser melhor combinadas do que nas páginas dessa belíssima obra”.
EU INDICO
Obax, do entrevistado acima, André Neves. Uma obra que permite trabalhar com as crianças a diversidade racial, cultural e étnica. Nela a pequena Obax viaja na própria imaginação e, como toda criança cheia de criatividade, não só sonha belezas e alegrias, mas acredita nelas. Texto e ilustração possibilitam que se perceba alguns dos costumes e das cores da África, a partir das pesquisas do autor, premiado com o Jabuti e com o Prêmio Açorianos. Editora Brinque Book.
Tina Demarche é jornalista, apaixonada por literatura infantil e metida a escritora. Também gosta de crianças, animais e plantas. Sonha com um mundo sem fronteiras, como o mundo da imaginação. E-mail de contato: tinademarche@yahoo.com.br