Paulina: Mãe, viúva e professora durante as décadas iniciais da Primeira República

Na coluna Mulheres Paranaenses de hoje, conheça a história de Paulina Carolina Alves, que precisou seguir uma vida diferente de outras em sua época

paulina carolina alves
Título de exame de habilitação para o magistério de Paulina Carolina Alves. Paraná: 21 agosto de 1891. Fonte: IHGPR-Coleção Pórcia Guimarães Alves

Por Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
A ausência de um retrato fotográfico de Paulina Carolina Alves não foi impedimento para traçarmos um esboço de sua trajetória, porém demonstra que algumas lacunas não puderam ser completadas pelos documentos que analisamos. São bastante inexpressivas as fontes documentais relativas a pessoas ditas “comuns” quando se trata de meados do século XIX. No Instituto Histórico e Geográfico do Paraná – IHGPR, contudo, dentro da coleção Pórcia Guimarães Alves, é possível se deparar com uma porção considerável de documentos que desvelam parte da vida de Paulina.
Paulina nasceu no período imperial, em 1863, e faleceu quando o Brasil havia se tornado república, em 1920. Nesse período, em sua vida privada, algumas mudanças aconteceram. Na cidade de Paranaguá, casou-se e teve 3 filhos. Quando seu esposo, Manoel Claro Alves, faleceu em 1889, foi necessário que Paulina buscasse pela habilitação como professora primária para garantir o sustento de seu bebê Manoel Claro, de doze dias, e seus filhos: Orestes, de dois anos de idade; e outro, cujo nome desconhecemos, com oito anos de vida.
Paulina foi aprovada no exame para habilitação do magistério público primário em 31 de agosto de 1891, mas desde 4 de fevereiro de 1890 havia recebido um documento, por parte do governo do estado, para ocupar a cadeira do Rocio, na cidade de Paranaguá. Tinha havido intermediação de um parente, para que ela começasse a atuar como professora. À época, era comum que professores fossem indicados por pessoas influentes, uma prática que atestava o caráter idôneo do candidato. Entretanto, tal benesse não a eximiria de arcar com as despesas do aluguel e da mobília da escola.
Mudar-se para Curitiba representava aumento de ganhos monetários e, novamente, Paulina recorreu à sua rede de relações. Em setembro de 1892, Vicente Machado lhe enviou um telegrama, comunicando a existência de uma vaga no Campo Comprido, em Curitiba, informando o salário que ela iria receber e acrescentando que o aluguel da casa seria pago pelo governo do estado. Com essa perspectiva de melhores condições econômicas, Paulina e seus filhos mudaram-se para Curitiba.
No ano de 1906, após aproximadamente 16 anos de serviço efetivo no magistério, a Secretaria dos Negócios do Interior, Justiça e Instrução Pública, (1906) concedeu a Paulina Carolina Alves aposentadoria, requerida por motivo de doença. Os documentos revelam que a vinda para Curitiba não tornou a vida da professora mais amena que antes.
Os registros da inspetoria narram os desafios enfrentados por Paulina na escola do Campo Comprido. Paulina era professora de uma classe composta por meninos e meninas, de idades que variavam de 5 a 12 anos e com número indeterminado de alunos devido a faltas constantes. A sala não dispunha de mobília apropriada, tendo apenas alguns bancos em más condições, e os inspetores alternavam o registro entre promessas de envio ou cobrança para com ela sobre a situação. Apesar dessas condições, os registros são de que as crianças presentes se encontravam em grau de adiantamento escolar, em virtude da dedicação da professora. A exemplo, o registro do inspetor Benjamim A. de Feitas Pessoa, no ano de 1895, que mencionava que o “pouco material não corresponde a ordem e progresso desta Escola”.
Dentre as obrigações de professora também havia as de cunho moral/religioso e cívico. Em carta para Paulina, o diretor geral do ensino público, no ano de 1896, Joaquim Dias da Rocha, solicitava que as aulas de moral e religião continuassem a ser ministradas, mesmo tendo sido suprimidas por lei. Cabia à professora, sempre que o tempo permitisse, levar os alunos até a catedral nas quintas-feiras, para que ouvissem a missa e para que recebessem “educação religiosa indispensável á criatura humana”. A professora também era responsável pelo asseio dos uniformes, ainda que modestos, e pela higiene das crianças durante as visitas à igreja, aos cortejos fúnebres ou às comemorações cívicas. Durante a pesquisa, foi encontrado um bilhete que, em 1897, diante das exigências da diretoria geral de ensino, Paulina havia encaminhado para uma das mães: “sexta-feira, mande as meninas vestidas de branco, e o Carlos calçado, para irmos á Escola Normal, […], e que venham com o laço verde e amarelo no braço, conforme lhe exige”.
Contradições estavam presentes no cotidiano do trabalho de Paulina. O inspetor Alderico Guimarães Bastos, no ano de 1899, registrou que Paulina ainda aplicava a palmatória, prática proibida desde 1895, e que a professora havia justificado que a usava nos meninos porque assim era necessário. Além disso, o inspetor relatou que a professora Paulina ensinava catecismo durante as aulas, violando a Constituição Federal da República que dizia: “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.”, e que descumpria o regulamento que determinava a “leitura da Constituição Política do Estado e da Republica”. Como punição, Paulina teve as atividades de sua escola suspensas por 15 dias.
Os documentos de Paulina referentes aos quinze anos em que foi professora foram arquivados e guardados e aqui delineamos, mesmo que brevemente o que se pode ler destes documentos. Nos escritos biográficos dedicados a Manoel Claro Alves, filho mais novo de Paulina, ela é representada como uma “destemida mãe, que enviuvando moça ainda, lutou como heroína para criá-lo e educá-lo, assim como a seus irmãos – só Deus sabe com que sacrifícios!”.

Para saber mais

  • RIBEIRO, Alexandra Ferreira Martins. Adentrando aos arquivos: formação e aspectos da atuação docente de Pórcia Guimarães Alves (1917-1962). 199 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2018.
  • ALVES, Pórcia Guimarães. Curitiba: IHGPR-Coleção Pórcia Guimarães Alves.


 
Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.

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