Mulheres Paranaenses: Madre Chantal, uma história de vida a serviço do próximo

A Madre Chantal foi uma das criadoras do primeiro mosteiro beneditino feminino em terras paranaenses e dedicou a vida a ajudar a comunidade e acolher e abrigar todos que precisassem

Por Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
A história de vida de Madre Maria de Chantal Modoux, como religiosa, marcou presença na história das mulheres paranaenses. Para a historiadora Wilma de Lara Bueno, o estudo da trajetória da Madre revela que, “entre as paredes do mosteiro, o modo de viver tem um pulsar próprio e produz mudanças para além da clausura e que, nos dias atuais, estabelece um profundo diálogo com a sociedade, na disposição de servir, interagindo com as questões do tempo presente” (BUENO, 2020).
Filha de Léon Modoux e Marie-Jeanne Crausaz Modoux, Madre Maria Chantal Modoux nasceu na Suíça, em 21 de fevereiro de 1919, na região de Fribourg, onde recebeu uma educação primorosa, cursando o Magistério e trabalhando como preceptora de crianças em várias famílias. Durante a Segunda Guerra Mundial, viajou para a Itália e, no Vaticano, também como preceptora, ocupou-se dos filhos de diplomatas. Posteriormente, em terras hispânicas, conheceu a obra “Cristo Ideal do Monge”, leitura que tocou profundamente a escolha da jovem suíça em seguir sua vocação, dirigindo-se para a Bélgica a fim de ingressar no Mosteiro de Nossa Senhora de Betânia, da Congregação das Monjas Beneditinas da Rainha dos Apóstolos.
As pesquisas da historiadora Wilma de Lara Bueno deram subsídios para a escrita da trajetória da Madre. A religiosa fez os primeiros votos em 1954 e, três anos depois, a profissão dos votos perpétuos. No mesmo ano, partiu para missão na África e na região do Congo. Entre os anos de 1957 e 1962, viveu na comunidade de Kikula. No retorno da África, no contexto da Guerra Fria e das mudanças promovidas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), o Mosteiro de Nossa Senhora de Betânia atendeu ao apelo do papa João XXIII em favor da América Latina e nomeou cinco monjas para fundarem um mosteiro feminino. Entre elas, estavam Madre Chantal e Irmã Anne. Madre Chantal e outras duas irmãs saíram da Bélgica em um navio cargueiro em novembro de 1963 e, depois de passar pelo Rio de Janeiro e Santos, chegaram a Curitiba, no início de 1964. O segundo grupo chegou depois.
Para as religiosas, que aceitaram o desafio de cruzar o Atlântico, as dificuldades foram imensas, como são as experiências dos imigrantes em terras desconhecidas. Pode-se imaginar o que foi para elas chegar ao Brasil, no início de 1964, no contexto político da época. Em terras estrangeiras, elas não tinham onde morar, não dominavam a língua portuguesa nem os costumes brasileiros.
Depois de um tempo nas casas de religiosas para aprender a língua, e com a ajuda dos padres da Paróquia do Pinheirinho, vindos da Bélgica, as monjas adquiriram um terreno e, após a construção do mosteiro, deslocaram-se para Petrópolis, a fim de realizar curso organizado pela Conferência Episcopal do Brasil para os missionários estrangeiros. Em sua construção, o mosteiro se inseria na simplicidade do bairro; a clausura, a capela e a hospedaria eram de madeira e se diferenciavam dos mosteiros europeus feitos de pedras, muitos ainda do tempo da fundação por São Bento de Núrsia (480-547).
Madre Chantal tornou-se, oficialmente, a prioresa do Mosteiro do Encontro no dia 1º de novembro de 1965, cargo que exerceu até o ano 2000. No tempo da fundação, Dom Manuel da Silveira D’Elboux, arcebispo de Curitiba, dispensou notável acompanhamento à criação e ao crescimento do primeiro mosteiro beneditino feminino em terras paranaenses.
Desde os primeiros tempos, Madre Chantal, como prioresa, cuidou das instalações materiais, dos rituais das horas/ofício, das celebrações litúrgicas, em que o latim cedia lugar à língua nacional — os salmos sempre foram rezados em português. Relativamente às atividades produtivas, ela e suas companheiras dedicaram-se à arte sacra, modo de evangelizar pela beleza, e mais tarde, à produção de geleias (com frutas que não conheciam até então, por exemplo, a jaboticaba).
A escolha do nome, Mosteiro do Encontro, traduz a intenção primeira das monjas: que todo aquele que batesse à porta fosse recebido como o Outro, que necessitava ser amado como Jesus amou! Assim, seguiam o exemplo de São Bento na Itália do século VI, em cujo mosteiro os monges abrigavam as pessoas que lá cruzavam: pobres, peregrinos, fugitivos de guerras, estrangeiros, nobres ou plebeus, segundo o mandamento do Amor. Sob o priorado de Madre Chantal, o Mosteiro do Encontro atraiu pessoas da cidade e também do restante do Brasil por suas características essenciais: o amor pela vida monástica, pelo Ofício Divino e pela Igreja; a alegria do louvor, a disponibilidade de envio ou de se deslocar a serviço de outros mosteiros; a beleza da arte da simplicidade; o zelo pela comunhão fraterna e a hospitalidade.
“De acordo com leituras e depoimentos, Madre Chantal testemunhava o Amor e a presença de Deus no mundo. Pode-se recordar o que revelam os registros de sua história: sua rotina se definia em orações, trabalhos e o encontro com o Outro, seja entre os integrantes da comunidade ou os que batiam à porta do mosteiro. Nesse sentido, os documentos evidenciam experiências de servir, portanto, acolher e abrigar os pobres, proteger os perseguidos, atender os abandonados, aconselhar os desnorteados, ouvir os campesinos e os citadinos; exercer com esmero a tarefa de preceptora na educação das noviças; cuidar para que elas se especializassem em estudos profundos e também dominassem a Língua Francesa. Esteve atenta às dificuldades das jovens ao ingressarem no Mosteiro, muitas delas com os problemas próprios da sua idade.” (BUENO, 2020).
Deixou exemplos do compromisso com a prática cotidiana da oração, da fidelidade ao ofício das horas, mesmo quando o avançar da idade dificultava o ouvir e o cantar dos Salmos. Na rotina de trabalho, orientava os cuidados na horta, dedicava-se às tarefas da cozinha, auxiliava na limpeza da louça e fazia também questão de preparar as sobremesas e as geleias.
Extremamente culta, falava vários idiomas, conhecia costumes dos povos, refletia sobre os problemas atuais e sabia analisar o passado e o presente do nosso país. Dedicava-se à escrita, cuidava das correspondências, proferia palestras e mantinha contato com várias congregações e representantes da Igreja. Estabeleceu profícuos laços com os moradores da circunvizinhança e da cidade de Curitiba, lembrando o exemplo dos antigos mosteiros que, no Brasil, traçavam os caminhos para dar significativos contornos à história das cidades. Fiel às datas festivas comunitárias, transformava o cotidiano da clausura em ambiente de fraternidade, simplicidade e alegria.
No ano de 1988, a comunidade atendeu à Prelazia de Itacotiara e fundou o Mosteiro da Água Viva, no estado do Amazonas, que ainda se mantém ativo. Em 1998, quando o bairro do Pinheirinho se tornou superpovoado, interferindo no silêncio necessário à prática religiosa, às vésperas do Natal, no dia 23 de dezembro de 1999, a comunidade mudou-se para Mandirituba, onde se localiza atualmente. Em 2008, para alegria dos cristãos, a capela do Mosteiro do Encontro tornou-se Igreja Cristo Luz das Nações, aberta ao público para celebrações religiosas e missas dominicais.
Assim, a história de Madre Chantal reflete a potencialidade do viver de uma mulher que, na escolha da vida religiosa, manifestou um exemplo de plena realização vocacional, um compromisso de amor ao próximo e testemunho da presença de Deus no mundo; uma demonstração de iniciativa pessoal e de trabalho comunitário. Em 03 de setembro de 2020, Madre Chantal, cercada pelos zelosos cuidados de suas companheiras, partiu, deixando um rastro concreto de uma vida dedicada ao Amor a Deus e ao próximo.
Agradecimentos à Drª Wilma de Lara Bueno, que gentilmente concedeu a entrevista acerca da Madre Chantal e às monjas do Mosteiro do Encontro, pela disponibilidade do uso da documentação e por concederem a imagem utilizada na coluna.

Para saber mais:

  • BUENO, Wilma de Lara. Entrevista acerca de Madre Chantal. Curitiba: 2020.
  • BUENO, Wilma de Lara . Escrever e rezar: o cotidiano das mulheres na vida conventual. In: VII Seminário Nacional: Religião e Sociedade: o espaço do sagrado no século XXI, 2013, Curitiba. VII Seminário Nacional: Religião e Sociedade: o espaço do sagrado no século XXI. Curitiba, 2013. v. 1. p. 578-594.
  • BUENO, Wilma de Lara. O monarquismo no ocidente: considerações sobre história. Relegens Thréskeia: Estudos e Pesquisa em religião, v. 4, p. 121. 2015.
  • BUENO, Wilma de Lara. O (trans)bordar do sagrado: mosteiro beneditinos em suas convergências religiosas e socioculturais. Sociedade e Cultura, v. 1, p. 83-92, 2015.
  • BUENO, Wilma de Lara. Enamoradas do Sagrado: monjas beneditinas do Mosteiro do Encontro, uma história de vida, desde 1964. Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná, 2010.
  • BUENO, Wilma de Lara. Enamoradas do Sagrado: Monjas do Mosteiro do Encontro (1964-1999). 274 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008.

 

 
Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.

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