Maria Eliza Rodrigues, com “z”, uma arquiteta apaixonada pela cultura francesa

“Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.”
Trecho da Canção do Tamoio, de Gonçalves Dias (ABL, 2006?)

Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
Maria Eliza Rodrigues, “com Z, pois meu pai me registrou assim”, como ela diz, é detalhista em relação ao seu nome. Acrescenta que “me incomoda muito quando escrevem Elisa com S, essa não sou eu” e reitera que “o que pode parecer bobagem para alguns, para mim é um terrível incômodo”. Não gosta que a chamem de Maria e nunca teve apelidos. Quando muito, tolera que a chamem de Eliza. Ela é Maria Eliza.
Nasceu em Curitiba, no Hospital São Vicente, em 28 de julho de 1961, filha de Sonia Maria Régnier Rodrigues, natural de Castro – PR, e de Geraldo Luiz Torga Rodrigues, natural de São João del Rey – MG. Seus pais se conheceram por meio de uma coluna de correspondência (era, sem dúvida, o Tinder da época): ela mandou o nome dela para uma seção de correspondência de uma revista, recebeu muitas cartas e selecionou umas três que lhe agradaram mais. Uma delas era a de seu pai. Tornaram-se amigos, trocavam confidências. Nem se falava em namoro, já que Sonia tinha um namorado paraguaio, do qual sua mãe não gostava. Então, a avó de Maria Eliza “promoveu” uma viagem a Belo Horizonte, com amigas, para que Sonia ali passasse o carnaval. Geraldo, à época, morava em BH, preparando-se para o vestibular. Começaram a namorar lá mesmo. Mais tarde, ele veio para Curitiba, conhecer a família de Sonia, veio mais uma vez para ficar noivo e depois se mudou para Curitiba, até se casarem. Trabalhou no antigo Banco Nacional, até se formar em engenharia. O casal teve cinco filhos: Maria Eliza, Luiz Alberto, Luiz Antônio, Luiz Henrique e Luiz Eduardo. Deles, Luiz Antônio morreu com três meses, de um problema cardíaco, e Luiz Henrique faleceu aos 18 anos, de aneurisma.
Maria Eliza conta que nasceu com catarata congênita, total na vista esquerda e parcial na vista direita. Sua mãe também havia nascido com problemas de visão. Embora tivesse realizado cirurgia, ainda assim não enxergava direito, o que não a impediu de aprender a ler e a escrever, com cadernos especiais, em que as linhas tinham o dobro do tamanho e eram mais reforçadas. Por sua vez, Maria Eliza fez correções em sua visão, que muito a ajudaram a enxergar melhor.
Maria Eliza narra que sua mãe foi uma das mulheres fortes com as quais conviveu. Mesmo com pouca visão, ela criou quatro filhos, fazia tricô (para doação, mas também vendeu muitos enxovais de bebê), cuidava da casa sozinha, enfrentou viagens de ônibus e, após 35 anos de casada, ao descobrir que o marido a estava traindo, se separou. Mais tarde, superou a notícia do câncer, com coragem e altivez.
Além da mãe, outras mulheres fortes também marcaram a vida de Maria Eliza, que faz questão de destacá-las. A primeira delas é a avó, amorosa e controladora, que enfrentou as dificuldades da segunda guerra mundial, morando num porão quase sem iluminação e sustentando a família com costura, quando seu avô ficou desempregado. Outra mulher muito importante para ela foi a irmã de sua avó, Diair, a tia-avó Padiá, que cursou magistério e formou-se em Direito, trabalhando no governo do estado do Paraná como assessora jurídica de vários políticos importantes, inclusive do governador. Padiá, solteira, praticamente a “adotou”, chegando ao ponto de sair do trabalho para estudar com a sobrinha-neta para as provas de história e geografia. Menciona ainda Lourdes, sua prima e madrinha de crisma, hoje com 92 anos e que mora sozinha; Maria Lúcia, tia e madrinha de batismo, que estudou Direito e se fez trabalhando muito; e a tia Zuca, Maria Cecília, irmã do pai, que sempre correu atrás dos seus sonhos.
Relembrando sua infância, Maria Eliza conta que, na época, era comum “fazer visita”, ou seja, todo final de semana ia com a mãe e, às vezes com a avó e a tia-avó, em casa de parentes. A rotina era mais ou menos essa: iam após o almoço, por volta das 14h, sentavam todas com seus trabalhos manuais, depois faziam o lanche, geralmente uma bela mesa com café, pães e biscoitos. Conforme a casa em que iam, era diferente. Na casa de uma prima de sua mãe, por exemplo, o pai e os irmãos iam também, e as crianças brincavam o tempo todo. Era uma excelente forma de interação familiar, oportunidade para ouvir muitas histórias, histórias da família, tradições, além de valorizar a convivência com os tios.
Era uma menina que aprendeu a ler com gibis: Pato Donald, Zé Carioca, Tio Patinhas, Bolinha, Bolota, Brotoeja, depois a Turma da Mônica… Mais tarde, vieram os livros da coleção de Monteiro Lobato. Assim, adquiriu o hábito e o gosto pela leitura. Dos livros que leu na adolescência, destaca dois: “A pequena Fadette”, de Georges Sand, e “O meu pé de laranja lima”, de José Mauro Vasconcelos. Quando leu “Desirée”, de Annemarie Selinko, apaixonou-se pela história, disciplina que, no entanto, odiava estudar na escola, em face do método da “decoreba” que era utilizado. Da época de escola, duas passagens se destacaram para ela: a Revolução Francesa e a Inconfidência Mineira. Explica: “Ambas ligadas à minha origem: meu bisavô era francês e a família do pai, mineira. As duas falam e lutam pela liberdade. As duas vão contra um regime monárquico”. Dos brasileiros, seu autor preferido é Érico Veríssimo. E destaca as mulheres fortes, Ana Terra e Bibiana.
Nos momentos difíceis, busca força em dois textos, ambos mostrados por seu pai: na “Canção do Tamoio”, de Gonçalves Dias, e num trecho da música “Segura na Mão de Deus”, do Pastor Nelson Mota.
Maria Eliza fez o curso superior de Arquitetura e Urbanismo,na PUCPR e, em seguida, pós-graduação em Urbanismo na UFMG e em Gestão Ambiental na FACEAR-PR. Acredita que, nessa escolha, sofreu influência do pai, que era engenheiro e trabalhou para o estado do Paraná. Ela diz que “ainda lembra do barulho da calculadora Facit, onde a manivela ia para frente para somar e para trás para diminuir” e que ele utilizava ao fazer serviços à noite, em casa. Acabou sendo servidora pública também, só que da Prefeitura de Curitiba e, assim, fiscalizou obras, elaborou pareceres técnicos, entre tantas outras funções exercidas durante os trinta anos em que trabalhou na administração municipal. Apaixonada pelas cidades, gostaria de ter trabalhado com planejamento urbano, desejo que realizou quando participou de dois grupos de estudo sobre alteração nas leis do Plano Diretor de Belo Horizonte e de zoneamento de Curitiba.
Maria Eliza é solteira, tem uma filha de 27 anos e três netos (8, 5 e 1 ano e 11 meses). Ama sua família e faz o que está ao seu alcance por ela. Não consegue imaginar férias ou viagens sem a companhia de, pelo menos, um deles.
Está aposentada há quatro anos. Ao contrário do que lhe diziam (“você não vai se acostumar”, “não vá ficar em casa sem fazer nada”, “e agora, vai fazer o quê?”), descobriu tantas coisas para fazer que, até agora, não sabe o que é “ficar sem fazer nada”. Tem muitos projetos pessoais, alguns sem começar e outros parados. Dentre eles, elaborar álbuns de fotos digitais, alimentar a página no Facebook, montar vídeos com fotos de viagens, fazer mantas e gorros em crochê para doação, visitas amigos e parentes…
Maria Eliza gosta de ajudar. Nessa parte, segue o exemplo de sua mãe, que sempre ajudou aos outros quando precisavam. Assim, participa de campanhas em função de alguma calamidade, já fez parte de grupos como a Oficina de Santa Rita e a Capa dos Pobres. Aprecia teatro, cinema, televisão e música. Diz ela: “Sou bem eclética tanto nas categorias de filmes e séries, como para música. Não gosto de rock pesado, não gosto de filmes de terror. Sou muito seletiva para comédias. Não gosto de comédia-pastelão”.
A grande paixão de Maria Eliza, desde menina, indubitavelmente, é a França, e, em especial, Paris. Começou a estudar francês com 14 anos, motivada por Padiá, que a fez conhecer a música e a pintura francesas e lhe proporcionou a oportunidade de estudar francês e de viajar para a França. Em seus estudos, fez 14 anos de Aliança Francesa e se formou no Nancy, o que lhe daria direito a lecionar francês. Mas não se tornou professora de francês, uma vez que seu trabalho na Prefeitura absorvia seu tempo. Após se aposentar, voltou a estudar francês e ainda inglês e espanhol.
Com a pandemia, em que todos tiveram que se adaptar a uma outra realidade, assumiu novos desafios: mexer com computador, compartilhar imagens e arquivos, usar o “zoom”. Assim, foi possível retomar os bate-papos com as amigas e se reunir com colegas amantes de cinema para comentários de filmes. Sente falta, contudo, dos encontros, das reuniões de família e de amigos. De conversar, de trocar ideias.
Além disso, Maria Eliza ama viajar, e não só o estar em outro lugar, mas desde o planejamento, a escolha de para onde ir, o que fazer, quanto tempo ficar. Não gosta de arrumar mala e sempre tem medo de precisar de alguma coisa e esquecer de levar. Mas, nessa hora, lembra de um ex-namorado que lhe disse uma vez: “Não se estresse. Você não está indo para o meio do mato. Se esquecer, compra lá.” Sabe, contudo, que nem sempre é possível resolver as coisas tão facilmente. Se a viagem é para fora do país, pode complicar se o objeto esquecido for um remédio de venda controlada por lá. As regras mudam conforme o país e, nesse sentido, lembra de sua ida a Paris, em 2019, com um neto de 7 anos, que estava com toda a documentação em ordem: carteira de identidade, passaporte, certidão de nascimento, carteira de vacinação. Na volta, organizou toda a bagagem e – não sabe bem por que – deixou a pasta com a certidão de nascimento dentro da mala. Embarcaram em Paris e chegaram em São Paulo. Tudo certo. Mas, na hora de tomar o voo para Curitiba, a moça que conferia as passagens exigiu que provasse que era a avó da criança. E não adiantou Maria Eliza argumentar que o passaporte autorizava que ele viajasse sozinho, que a autorização dos pais estava ali. A funcionária, irredutível, disse: “Mas aqui no Brasil, isso não vale. Passaporte é pra viajar pra outro país”. Se não fosse a foto da certidão no celular, não haveria como comprovar…
Mulher corajosa, estudiosa e competente, Maria Eliza está pronta para muitas viagens e outros desafios que ainda virão.
Nossos agradecimentos à sr.ª Maria Eliza Rodrigues, pela entrevista concedida e pela cessão da foto que ilustra a coluna.

Para saber mais

  • ABL – ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Gonçalves Dias. Textos escolhidos. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/goncalves-dias/textos-escolhidos. Acesso em 23 maio 2021.
  • LOUREIRO, Clarissa. A memória do Rio Grande do Sul entre a vela e a cadeira de balanço: um olhar crítico sobre a representação do sobrado a partir da sobreposição dos perfis Bibiana / Maria Valéria. Ecos. Recife, Unemat Editora. V. 16, ano 11, n.1, p. 31-47, 2014.
  • OLHAR DIGITAL. O que é e como funciona o Tinder. 2020. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2020/09/09/dicas-e-tutoriais/o-que-e-e-como-funciona-o-tinder/. Acesso em 23 maio 2021.

 


Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.

 

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