Margaret Rose Alves Talamini: Entre costuras e bonecas, a arte do miniaturismo

Uma mulher movida pelo dinamismo, gosto pela leitura e aprendizagem de línguas, paixão pelas artes artesanais, amor ao próximo e alegria de viver

Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
Margaret Rose Alves Talamini nasceu em 22 de fevereiro de 1954, em Florianópolis, em pleno Carnaval. Segundo ela relata, sua mãe passou entre os blocos carnavalescos para ir à maternidade.
Os pais de Margaret eram funcionários públicos e constituíram uma família grande, composta por cinco filhas e dois filhos. A lembrança que Margaret tem deles é de que trabalhavam muito, para prover a família, dando condições a que os filhos pudessem estudar e tivessem tudo aquilo de que precisassem. Muito ativos, nunca paravam, e ela atribui a isso seu desejo de estar sempre fazendo alguma coisa.
Margaret foi alfabetizada aos cinco anos de idade, por sua avó paterna, que era professora. Assim, muito nova começou a ler, desenvolvendo o gosto pela leitura e pelos estudos. Seu pai era assinante da revista “Seleções”, versão brasileira da publicação americana Reader’s Digest, editada mensalmente e que trata de temas como saúde, beleza, bem-estar, depoimentos da vida real, humor e atualidades, numa perspectiva de tornar o mundo melhor a cada dia. Tão logo chegava pelo Correio, a revista era disputada na família: o pai fazia a primeira leitura e, em seguida, liberava o exemplar para todos. A mãe, à noite, costumava ler trechos para os filhos.
O gosto pela leitura fez com que Margaret passasse de um autor a outro, apaixonando-se, na juventude, pelas histórias de Agatha Christie e Simenon. Mais tarde, descobriu os trabalhos de Gabriel García Márquez e de Jorge Amado que, segundo ela, “escrevem da mesma maneira, porém falando de lugares diferentes”. Deles, leu tudo o que encontrou. Atualmente, seu autor preferido é Mia Couto.
Margaret veio para Curitiba aos 17 anos, para fazer o cursinho para o vestibular. Ingressou no curso de Pedagogia, casou-se, mas interrompeu o curso quando do nascimento de sua filha. Devido ao trabalho de seu marido, “engenheiro de estrada”, a família foi morar no interior do Paraná. Relembra: “isso há 44 anos, época em que nasceu meu filho”.
Inicialmente, foram morar em São Jerônimo da Serra, pequena cidade localizada no norte do estado do Paraná. Lá chegando, Margaret, junto com a esposa do farmacêutico, também nova na cidade e professora de inglês, organizou uma turma para estudar inglês. Fez ainda um curso de parteira, promovido pela Prefeitura Municipal. Como se tornou amiga da médica da cidade, fez as roupas de cama para o hospital local. Manifestava-se aí sua paixão pela máquina de costura, gosto herdado de sua avó materna, que era costureira, e que iria acompanhá-la por toda a vida.
Em seguida, a família foi morar em Uraí e, depois, em Cornélio Procópio, lugares que proporcionaram extraordinária experiência de vida a Margaret, sobretudo porque ela tinha que “se virar sozinha” com os filhos, sem contar com apoio da família, que residia em outra cidade. Podia contar, no entanto, com pessoas desses lugares que, como relata “sempre foram amigas e generosas com ela”. A cada dificuldade, quando precisava de ajuda, havia uma vizinha mais velha para ampará-la.
Nesse percurso, Margaret relata a pior experiência vivida, quando teve um princípio de aborto e o médico da cidade estava viajando. Foi a vizinha experiente que a orientou, colocou-a em repouso e, pelo telefone do posto telefônico da cidade, uma vez que ninguém possuía telefone em casa, na época, conversou com a médica de Margaret, de Curitiba, que deu as orientações sobre o que fazer. Conta ela que passou dezoito dias deitada, para poder levar a gravidez adiante, mas, com muita coragem, conseguiu vencer.
Em 1979, a família retornou a Curitiba. Margaret, então, decidiu fazer vestibular para o curso de Fisioterapia, cuja primeira turma a Universidade Católica do Paraná, atual PUCPR, estava abrindo. Ingressou no curso não sem antes se comprometer com sua sogra de que não iria trabalhar, que era só para estudar…
Aprovada no vestibular, conta que aí começou sua saga: dar conta dos estudos, acompanhar a filha ao Colégio Nossa Senhora Medianeira e o filho ao Jardim da Infância. Por quatro anos, destaca, fez diversas vezes o caminho da PUCPR ao Colégio Medianeira e vice-versa, passando por uma ponte atrás da PUCPR que servia como atalho, fosse para deixar a filha no colégio ou para levá-la para a aula na universidade, deixando-a num cantinho da sala. O atalho era usado, também, para correr até o colégio e dar um aceno na hora da festa, por exemplo, do Dia das Mães, dizendo à filha “estou aqui” e voltar correndo para a aula.
Como se isso não bastasse, Margaret relata que, quando estava no segundo ano da faculdade, uma amiga lhe propôs abrirem uma loja, o que fizeram. Com essa loja, conheceu muitas pessoas, tomando contato com o trabalho voluntário que faziam e colaborando sempre que podia. A propósito do voluntariado, antes disso, já havia tido uma experiência significativa. É ela quem conta:

Minha tia lecionava em uma escola da periferia de Curitiba, me falou da penúria em que as crianças viviam, que nunca tinham nada. Resolvi então, já que era bem perto da Páscoa, fazer cestinhas e levar para os alunos dela. Eram mais ou menos 25, não me recordo. Na sexta-feira antes da Páscoa, fui lá levar. Ela me relatou depois que foi uma alegria só. No ano seguinte, quando fui levar, resolvi, a convite dela, ficar e ver a pequena cerimônia que fariam no pátio da escola, devido ao dia da Páscoa. A diretora, com muita alegria, começou a cantar com as crianças ‘Coelhinho da Páscoa, o que trazes para mim? Um ovo, dois ovos, três ovos assim!’ E com gestos as crianças coreografavam aquela música. Eu sabia que só aquelas que tinham recebido a cesta que eu levei ganhariam alguma coisa. Fui tomada de uma emoção tão grande, saí, fui para o carro e fiquei meia hora chorando sem parar. Acho que nunca vou esquecer daquele dia! (TALAMINI, 2021).

Após essas experiências, iniciou sua participação em novas ações voluntárias. Ao concluir o curso de Fisioterapia, não começou a exercer a profissão, mas passou a valer-se dela para, voluntariamente, fazer avaliação física em entidades carentes e trabalhar com recreação com crianças. Aproveitava também para costurar uniformes para a Guarda Mirim, o que lhe possibilitava realizar duas coisas de que gostava muito: trabalhar na máquina de costura e ajudar as pessoas. Com o trabalho que tinha na loja, expandiu seus relacionamentos e, por meio deles, conseguia participar de diversas ações voluntárias e beneficentes.
Nesse particular, Margareth conta que, certa vez, uma cliente e vizinha da loja lhe telefonou avisando que, na rua em que moravam, bem próximo, havia uma mulher, que era faxineira, estava criando treze crianças de rua e as crianças estavam passando fome. Era época de Natal e Margaret estava fazendo bolachas de Natal cobertas com açúcar. Decidiu levar bolachas para as crianças e, junto com a filha de doze anos, passou no supermercado e comprou ainda arroz, feijão, óleo, açúcar, trigo e algumas guloseimas, como geleia e goiabada. Lá chegando, bateu palmas e logo vieram umas cinco crianças, bem magrinhas, atendê-la. Ao dizer que tinha umas coisinhas para doar e abrir o porta-malas, num instante, apareceram mais três crianças e começaram a carregar tudo para dentro de casa e logo o porta-malas estava vazio. Então, chegou a senhora que cuidava das crianças, agradeceu, mas disse que se houvesse alguma coisa com açúcar ela não poderia aceitar, porque eram naturalistas e não ingeriam esse alimento. Margaret relembra que engoliu em seco e falou: “Não tem problema, tudo que eu trouxe é bem natural”. Ao entrarem no carro, sua filha a advertiu: “Não, mãe!”, ao que Margaret respondeu: “Vamos rezar para que, antes que ela se dê conta, as crianças comam pelo menos um pouco das bolachas”. E a filha acrescentou: “e o açúcar e as goiabadas…”. Ambas caíram na gargalhada, imaginando aquelas crianças lambuzadas de comer bolachas.
Quando Margaret fechou a loja, mudou-se para o centro da cidade e percebeu que era hora de realizar um sonho de muito jovem: falar francês. Assim, matriculou-se na Aliança Francesa, tendo realizado todas as etapas do curso e culminando com um grupo de conversação e tradução que está junto há mais de 20 anos.
Margaret brinca: “Como eu fiz tudo de trás para a frente! Primeiro, casar e ter filhos. Depois, estudar e trabalhar. Havia chegado o momento de fazer meu francês e poder me dedicar.” Nesse momento, tomou gosto por línguas e fez também o curso de Italiano na PUCPR e de inglês no Phil Young.
Outro aspecto de sua vida disse respeito ao casamento dos filhos e ao nascimento dos netos: o mais velho, Lucas, atualmente com 19 anos; Vinícius, com 14; Natália, com 12; Beatriz, com 12; e Elisa com 8. A chegada dos netos trouxe a necessidade de Margaret montar um quarto de brincar em casa. Nesse sentido, ela recomeçou a fazer roupas de bonecas para as bonecas das netas. Logo percebeu que as meninas ganhavam muitas bonecas e começou a pegar algumas meio abandonadas para fazer novas roupas e restaurá-las. As netas auxiliavam com os cabelos, lavando, penteando, e todas se divertiam. Começou, então, a doar as bonecas para meninas dos carrinheiros que passavam ou para algumas que encontrava nas ruas. Elas iam em caixinhas ou sacolinhas, com um enxoval completo (vestido de festa, calça, blusa, shorts, sapatos, bolsinha, calcinha), além de um brinde para a menina (xampu e sabonetinho). E não parou mais.
Atualmente, Margaret recebe bonecas em doação, novas ou usadas, e conta com a ajuda de amigas que fazem peças em tricô e crochê, o que colabora para o enxoval. Ela restaura as bonecas e prepara os presentes para as meninas. Dias atrás, recebeu uma doação de 70 bonecas que eram de uma criança, só que a criança já estava com 20 anos e tinha tudo isso guardado há tempos.
Durante a pandemia, com o isolamento social e como não se aceitava doações por medo de contágio, foi um tempo difícil, porque estava com 80 bonecas prontas e não conseguia doar. Por fim, com ajuda de uma amiga, que estava mandando vestidos feitos com camisas masculinas doadas para meninas no Piauí, encaminhou também as bonecas para lá.
Um outro aspecto das habilidades de Margaret, porém, veio a despertar quando sua filha a presenteou com uma boneca Blythe, cuja característica marcante são a cabeça grande e os olhos enormes (BOTTALLO, 2015). Essas bonecas são utilizadas para ensaios fotográficos. Ao ganhar a boneca, Margaret começou a fazer, além das roupas, cenários para ela e acabou se tornando uma “miniaturista”. O miniaturismo é uma forma de arte que surgiu na Europa feudal do século XVI e se baseia na elaboração de objetos em forma de miniatura, ou seja, em escala de tamanho reduzida. Essa arte é feita como passatempo ou no âmbito profissional, como no caso dos arquitetos que fazem maquetes (DANTAS, 2021). No caso de Margaret, essa atividade reúne tudo que ela aprecia: costura, pintura, madeira. Prontas as peças, os cenários são montados com a ajuda da filha, nora e netas e deles são feitos vídeos. Destaca que o trabalho não é fácil e que é necessário muita leitura e pesquisa para fazê-lo, mas que é bastante gratificante.
Dinamismo, gosto pela leitura e pela aprendizagem de línguas, paixão pelas artes artesanais, amor ao próximo e alegria de viver são características que bem definem nossa biografada.
Nossos agradecimentos à srª Margaret Rose Alves Talamini, pela entrevista concedida e pela cessão da foto que ilustra a coluna.
Para saber mais:

 

Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.

 

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