Entre as histórias de seu novo livro, Cesar Augusto de Carvalho se inspirou em seu antigo programa “Estação Raul”
Doutor em história e professor de sociologia aposentado da Universidade Estadual de Londrina – UEL, o paulista Cesar Augusto de Carvalho é expert em criar fatos absurdos, que com o decorrer do texto, tornam-se verdadeiras mensagens de reflexão social. Dentro dos dez contos presentes no lançamento de “Histórias de Quem” (Editora Desconcertos), o escritor utilizou em dois deles o ilustre cantor Raul Seixas e isso não foi por a caso.
Entre 2010 a 2014, Cesar escreveu contos sobre o astro do rock para uma coluna radiofônica chamada “Estação Raul”, veiculada pela rádio UEL FM 107,9. Quando o programa encerrou, lançou a radionovela “Toca Raul” e atualmente prepara a edição “Raul e Eu”, uma novela que narra as aventuras de um personagem que se considera o próprio músico.
Em entrevista, o escritor, que já lançou os livros “Vento, Pá” (Benfazeja, 2017) e “Curto-circuito” (Patuá, 2019), além de obras de poesia, revela como aconteceu todo o processo criativo de escrever no estilo realismo fantástico, em obra que levou mais de uma década para ser publicada.
Por que você decidiu entre tantos gêneros escrever contos de realismo fantástico? Teve algum escritor ou escritora como inspiração?
A decisão de escrever contos de realismo fantástico tem a ver com minhas preferências literárias, que vêm desde criança. Leitor contumaz, apaixonei-me pela literatura ligada ao maravilhoso, contos de fadas, histórias míticas. Depois, descobri o fantástico lendo Jorge Luiz Borges e Julio Cortázar. Quando comecei a escrever, o fantástico se impôs independente de minha vontade e nunca mais me desliguei desse gênero.
Como surgiu a inspiração para criar este livro?
A principal motivação para escrever “Histórias de Quem” reside no desejo de poder expressar aspectos relacionados aos mistérios da vida, seus enigmas e significados, a partir de fatos banais que, no decorrer da narrativa transformam-se em absurdo procurando dar respostas literárias a estes mistérios. Construir Histórias de Quem demorou décadas.
Quais são os desafios de ser escritor no Brasil?
Quando comecei a escrever, o maior desafio era ter onde publicar. Havia poucas editoras e o acesso a elas praticamente impossível. Hoje, com a facilidade tecnológica, existem inúmeras delas que facilita bastante a publicação. Mas, o problema continua: como fazer com que o livro publicado chegue ao leitor? Talvez essa seja a maior dificuldade atual.
Qual é a principal mensagem que seus contos trazem para os leitores?
Cada um dos contos traz mensagens específicas. O primeiro deles, por exemplo, o dia Em que fui devorado por um livro, traz a discussão sobre a importância das histórias na vida do ser humano. Outros, discorrem sobre a realidade por trás das aparências. Em todos eles, a mesma temática: os mistérios oferecidos pela vida de cada um de nós.
Algum personagem que está nos dez contos foi inspirado em sua vivência?
Nenhum personagem é inspirado em minha vivência. O que ocorre, com mais frequência, é utilizar de certas experiências de vida para tecer a complexidade do personagem sem, contudo, haver identificação entre autor e personagem.
Quando e como surgiu sua paixão pela escrita?
A paixão pela escrita nasceu do hábito de leitura. Sempre apaixonado pelo bom texto literário procurava, nas redações escolares, as melhores formas de escrever, buscar as palavras certas e procurar, o máximo possível, a precisão da linguagem. Comecei a escrever cedo, ainda que não tivesse pretensões de tornar-me escritor, desejo que nasceu na maturidade.
Qual a sua relação com Raul Seixas?
Sempre fui fã, ainda que não fervoroso, de Raul Seixas desde que ele se lançou com a música Al Capone, em 1973. Depois, enquanto desenvolvia minha pesquisa sobre a contracultura no Brasil, iniciada em 1980, ele tornou-se uma de minhas fontes secundárias, especialmente por causa do projeto Sociedade Alternativa. Em 2010, enquanto trabalhava na Universidade Estadual de Londrina, usei sua biografia e seu universo cosmológico para escrever contos, crônicas e uma radionovela para o programa “Estação Raul”, veiculado pela Rádio UELFM. Estes textos radiofônicos foram publicados em “Toca Raul”, edição independente de 2014.
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Porque resolveu levar o cantor para os seus contos?
A vida do cantor, sua trajetória como artista e sua cosmovisão fornecem elementos aos borbotões para um escritor transformá-los em histórias ficcionais, especialmente quando este escritor tende para o fantástico. Está é a primeira razão. A segunda é a possibilidade de o escritor explorar os ícones, os elementos míticos de sua cosmogonia para construir subtextos onde esses símbolos produzam o que chamamos de autorreflexão, um dos papéis fundamentais da arte, não só da escrita, mas da arte em geral.
Além desse lançamento, você pretende publicar outros livros? Quais são os projetos para o futuro?
Tenho vários projetos de livros a publicar: contos, crônicas e novelas. Para os próximos meses, está previsto o lançamento de uma novela, também ligada ao realismo fantástico, chamada Raul e Eu. Nessa história o personagem participa de aventuras decorrentes de um sonho ao mesmo tempo em que vive o drama de identificação com o cantor Raul Seixas.
Você fez alguma pesquisa para escrever o livro? Quanto tempo levou para escrevê-lo?
Qualquer livro que eu vá escrever, mesmo que seja ficcional, passa por um processo de pesquisa. Tendo definido o eixo da história, tema, personagens e cenários, busco autores que tratam do mesmo assunto, tanto para me diferenciar deles quanto para buscar alternativas enriquecedoras para a trama. Histórias de Quem começou a ser escrito em meados dos anos de 1980 e só terminou quando escrevi o último conto, em 2014, ainda que sua publicação só tenha acontecido seis anos depois.
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