Finalistas Prêmio Jabuti: A biografia de Raul Seixas, de Jotabê Medeiros

O jornalista Jotabê Medeiros se formou pela Universidade de Londrina e morou na adolescência em Curitiba

Por Kristiane Rothstein
“Eu não fui filhote da Ditadura, peguei o rabicho dela. Em 1983/84, eu e outros colegas subimos na fachada da Casa do Estudante Universitário de Londrina e penduramos uma faixa com a frase: ‘Diretas Já para Presidente’. No dia seguinte fomos identificados e uma das advertências foi a minha expulsão. E isso já era nos anos (19) 80”.
Esse é um dos episódios que o paraibano Jotabê Medeiros conta em entrevista a Thea Tavares, em live do coletivo curitibano de resistência Gota D´Água, que vivenciou na época em que morou no Paraná. Jotabê é um dos finalistas do Prêmio Jabuti, com a obra “Raul Seixas – Não diga que a canção está perdida” (Editora Todavia).

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O escritor e crítico musical se formou em Londrina na década de 1980 e morou no interior do Estado e também em Curitiba. “Londrina é uma parte fundamental do que eu sou neste momento”, disse ele, na mesma entrevista. Jotabê comentou que está se dedicando a escrever o livro sobre sua própria família, que se confunde com tantas outras migrantes brasileiras que cruzam do Nordeste para o Sul e para as outras regiões do país em para construir sua vida.
Na obra sobre Raul Seixas, assim como na de outro biografado por ele, Belchior, Jotabê considera – citando o escritor modernista Oswald de Andrade, que Raul “servia biscoitos finos para as massas” e era desse modo, não menosprezando o conhecimento e sabedoria populares, que o artista, mesmo refinado, conseguia chegar às classes mais simples da população. “Quando tive contato com o Raul, o peguei numa fase muito decadente, pouco atrativa do ponto de vista artístico, mas era o Raul. Tinha uma mítica, uma história… Eu sempre fui fascinado por ele”, diz o jornalista, que começou a trabalhar  na área musical em 1986.

Foto: Reprodução da capa.

“Raul tinha uma antena parabólica, talvez a maior que todo mundo e a mais impressionante que eu já tenha visto”, avalia. “Ele fazia uma decantação e criava uma música original e de comunicação poderosíssima”, resume.
Jotabê conta que Raul bebia do anarquismo, também da filosofia e conseguia traduzir em suas músicas questões sofisticadas, como a dualidade do homem, a religiosidade indiana, entre outros temas nada corriqueiros. Jotabê, inclusive, cita Ghita como um exemplo e também a destaca como uma das canções que mais gosta do Raulzito.
O escritor avalia que uma das genialidades de Raul Seixa era de fazer uma espécie de crossover musical. “Ele fazia um cruzamento de coisas. Juntava o rock de Elvis Presley, o xaxado do Luiz Gonzaga e o Jackson do Pandeiro – aliás, de quem ele gostava tanto que o homenageou em dois discos.”

Hora de subir na fachada

Conhecedor profundo da música brasileira – trabalha na área há 35 anos, assim como da cultura brasileira, Jotabê Medeiros vê com pesar a fase de desrespeito às artes, aos artistas e ao pensamento desenvolvido por intelectuais no país e volta a lembrar-se do episódio que vivenciou em Londrina.

“O Raul, assim como Belchior, viveram a expectativa de manusear a mudança
com
a sua própria arte”, afirma o escritor, jornalista e crítico musical Jotabê Medeiros

“Vejo que hoje tenho que voltar a subir na fachada da casa do Estudante Universitário para pedir que a democracia seja restabelecida… é inacreditável, parece um pesadelo! (…) É o pior ataque, talvez na China, na revolução cultural, na Alemanha nazista tenha ocorrido algo tão violento quanto o que vivemos hoje [no país]”, lamenta.
Jotabê reclama da falta de respeito ao pensamento mais lapidado, intelectual e artístico produzido no país. “Se tenta rebaixar a condição do pensador, do filósofo, do historiador, como se essas funções não fossem a cerne da existência humana, o cerne da nossa aventura no planeta terra. (…) A gente tinha tudo sob controle, a liberdade estava funcionando. Hoje vemos gente com pensamentos refinados sendo achincalhados por desqualificado”, reflete.
E exatamente sobre a importância da arte influenciar o cotidiano, que Jotabê cita Raul e seu outro biografado no livro “Belchior – Apenas um rapaz latino-americano”. “O Raul, assim como Belchior, viveram a expectativa de manusear a mudança com a sua própria arte. Eles confiavam nisso. Hoje as pessoas estão sendo levadas a pensar que isso não é possível. Que é inútil qualquer esforço de mudança por meio da arte, por meio do pensamento.”
Amanhã, dia 26 de novembro, serão conhecidos os vencedores do 62º Prêmio Jabuti, um dos mais importantes da literatura do país – literatura essa que é um poderoso instrumento para mudar a realidade. A cerimônia será virtual, a partir das 19h, no Facebook e no YouTube da Câmara Brasileira do Livro.
Assista na íntegra a entrevista com o escritor Jotabê Medeiro para o coletivo Movimento Gota D’Água
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