Estamos Juntas: Feliz dia da mulher pra quem?

“Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas”
Audre Lorde

Camile Triska
Todos os anos, no dia 8 de março, chovem elogios, agradecimentos e mensagens de “feliz dia da mulher”. Mas, cadê esse feliz nos outros dias do ano? No Brasil, a cada 2 minutos uma mulher sofre agressão física, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Não bastasse isso, a cada 8 minutos acontece um estupro de vulnerável – 85,7% desses vulneráveis são mulheres.
E tem mais: somente no primeiro semestre de 2020, houve um aumento de 2% no caso de feminicídios, mas teve uma queda de 9,6% nos registros em delegacias, ou seja, na pandemia, muitas mulheres estão sendo agredidas ou morrendo em silêncio.
Alguns homens ou mulheres poderiam dizer: mas morrem muito mais homens do que mulheres no Brasil. Sim, mas eles morrem apenas por serem homens ou por causa de brigas, acidentes de carro e outros conflitos? Essas mulheres das estatísticas perdem a vida simplesmente por serem mulheres, ou seja, porque algum homem achou que era dono dela, não estava feliz com suas reações e sentiu-se no direito de matá-la. Um felizes para sempre inexistente.
“Ah, mas esses homens são minoria e eles vão presos”. Sim, muitos vão, mas, muitos não vão. Não sei você, mas eu já soube de casos em que a mulher foi até à Delegacia da Mulher e foi aconselhada a repensar a acusação. REPENSAR! Não é à toa que na maioria dos casos de feminicídios que vemos nos noticiários, a vítima já tinha ordens de restrição e denúncias feitas anteriormente. Não, não temos toda essa proteção judiciária que querem nos fazer acreditar. Inclusive, um estudo realizado recentemente por estudantes de Direito, aqui de Curitiba, revelou como o machismo ainda é forte nessa Justiça que deveria nos proteger, mas continua a nos julgar.
E não nos esqueçamos das mulheres trans, não! Se a violência contra as mulheres cis (aquelas que se identificam com o próprio gênero) ainda é questionada, contra as mulheres trans é praticamente ignorada. Segundo um levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e do Instituto Brasileiro Trans de Educação (Ibte), em 2020, o Brasil ganhou o 1º lugar no ranking de assassinatos de mulheres trans no mundo. Isso porque as estatísticas aqui são subnotificadas: a associação conseguiu fazer somente o levantamento de 175 assassinatos contra pessoas trans, todas mulheres, mas com certeza aconteceram muito mais. Quinze estados brasileiros e o Distrito Federal não têm qualquer informação sobre violências motivadas por identidade de gênero e muitas mortes de mulheres trans passam invisíveis, pois não são registrados seus nomes sociais ou mesmo divulgados quando viram notícia na mídia – a associação estima que 95% dos casos nos quais a notícia diz se tratar de ‘’homem vestido de mulher é encontrado morto” se refiram, na verdade, ao assassinato de uma travesti ou mulher transexual.
A violência não é apenas física, mas também social e psicológica. Está no preconceito contra as mulheres trans e negras que ainda precisam enfrentar os mesmos julgamentos feitos às mulheres brancas. Continuamos sendo culpadas pelos atos dos outros e atingidas pelo machismo de cada dia: nas piadas, nos discursos, nas atitudes que você talvez até nem perceba, de tão intrínseco que esse comportamento é em nossa sociedade.
Por isso, eu proponho a você começar a prestar atenção no que falam ao seu redor, em como te tratam no dia a dia, seja na rua, no trabalho ou em casa… e posso apostar o que for: você vai se revoltar muito quando perceber todos os momentos que um homem te interrompeu para falar a mesma coisa, quando perceber como piadas de estupro ainda são comuns, como ainda somos taxadas de putas (como se isso fosse algum palavrão) ou até recatadas demais, como somos chamadas de loucas e chatas quando nos revoltamos contra tudo isso e soltamos nossa vozes.
Claro que deve ainda ter alguém pensando: eu conheço um monte de mulher machista. Sim, eu também conheço, várias! Mas você querer culpar as mulheres pelo machismo é machismo também! Foram os homens que instituíram isso (assim como o racismo é culpa dos brancos, mas isso é outra história no mar das injustiças e preconceitos brasileiros).
Eu poderia me alongar aqui por muitos parágrafos e parágrafos, falar da questão salarial, das mulheres que ainda ouvem “você tem filhos ou pretende ter?” em uma entrevista de emprego, como se fizessem filhos sozinhas – indo também ao fato de que muitas, sim, precisam criar os filhos sozinhas, não têm o direito sobre seus próprios corpos, não têm um pai com licença-paternidade igual à licença-maternidade… Porém, sempre também há uma desculpa econômica para justificar o machismo.
Exemplos e informações não faltam ao seu redor, como eu disse, pare para prestar atenção e também pare para pesquisar… Não vivemos nos contos de fada que uma vez lemos na infância, vivemos em uma triste realidade, onde até a mulher que acha que é respeitada ouve diariamente vários discursos machistas. Com o passar dos anos, claro que adquirimos alguns direitos mas, muito mais por necessidade da sociedade do que porque os homens achavam que merecíamos. Enquanto você recebe flores no Dia Internacional da Mulher, talvez outra mulher também esteja recebendo, mas em seu próprio velório. Feliz dia da mulher pra quem?
 

Camile Triska é jornalista, gerente de Comunicação Corporativa na Expressa Comunicação, editora do Curitiba de Graça, defensora dos direitos humanos e feminista
 
 
 
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