Vamos falar de filmes: Os melhores da Amazon em 2020

Depois de falar sobre os melhores da Netflix, é hora de conferir as produções de outro streaming

Por Márcio L. Santos
O serviço de streaming da Amazon pode até ser menos badalado que a Netflix, mas entregou algumas obras bem relevantes este ano. Vamos conferir algumas delas?

BLOW THE MAN DOWN
Bridget Savage Cole, Danielle Krudy
2020
★★★★


Este drama se inspira de forma muito evidente no cinema dos Irmãos Coen, seja na trama repleta de reviravoltas, nos personagens ambíguos e na melancolia palpável fruto da solidão, do ressentimento e do isolamento.
Passada numa cidadezinha do Maine, o filme conta a história de duas irmãs que precisam lidar com o cadáver de um estuprador, ao mesmo tempo em que um outro corpo surge na praia e as ‘beatas’ da cidade lutam para fechar a casa de tolerância que tem funcionado por anos na comunidade. Junte-se a isso um policial desconfiado, segredos do passado e um pacote de dinheiro e todo o cenário está montado.
As diretoras Bridget Savage e Danielle Kudry fazem um filme pequeno, de espaços pequenos e interpretações comedidas, como se o frio do porto no qual a história se passa contaminasse não apenas as paisagens, mas as pessoas e suas relações.
O filme traz nas mulheres o seu peso dramático e principal foco, desde as irmãs que precisam aprender a lidar com a ausência da mãe até as prostitutas que pedem nada além de respeito em um universo calcado pelo preconceito e pela desfaçatez. Como destaque Margo Martindale é absoluta em cena como a dona do bordel que compreende o funcionamento da comunidade como ninguém.
Blow the Man Down é uma obra que subverte diversas expectativas ao mesmo tempo que recompensa de forma eficiente quem busca uma história bem contada e bem dirigida.

A VASTIDÃO DA NOITE
Andrew Patterson
2020
★★★★


A Vastidão da Noite é um filme tão fascinante quanto irregular. Com alma integral de um episódio estendido de Além da Imaginação, a história gira em torno do arrogante e charmoso DJ Everett [Jake Horowitz] e a empolgada e curiosa Fay [Sierra McCormick] que percebem que algo muito estranho está acontecendo numa pequena cidade do Novo México nos anos 50, com diversos depoimentos de pessoas que estão vendo ‘objetos’ no céu.
Passado praticamente em tempo real, o filme – com um pé no viés conspiratório do período – tem um ritmo meio claudicante, dedicando boa parte de seus 90 minutos a depoimentos de pessoas que conhecer a verdade por trás dos sons e luzes misteriosas. Por outro lado, não há como admirar o tom melancólico e ao mesmo tempo nostálgico que o diretor imprime a sua obra, especialmente na forma como estabelece a dinâmica da amizade entre Everett e Fay, uma figura fascinada pela tecnologia e pelos avanços que a ciência pode oferece à humanidade.
Ainda que com um orçamento nitidamente baixo, o filme entrega algumas sequências quase geniais, como um plano sequência que sai da central telefônica em que Fay trabalha, atravessa ruas desertas, e bosques, entra no ginásio onde está ocorrendo um jogo de basquete até chegar na rádio onde Everett trabalha, determinando com brilhantismo todo o espaço em que a trama se desenvolve.
Em certos aspectos, o filme chega a lembrar o Contatos Imediatos de Spielberg, com uma diferença crucial: se no filme de 1977 havia um fascínio e um evidente lirismo nas luzes brilhantes do céu, aqui há apenas a constatação de que são eventos que estão acima do entendimento humano – e de que talvez sejamos medíocres demais para compreender o que tudo isso significa. Só resta aos protagonistas gravar e registrar o que acontece, para que alguém no futuro possa traduzir o que tudo isso significou.

RETABLO
Alvaro Delgado Aparicio
2017
★★★★½


Retablo é um filme peruando dirigido por Alvaro Delgado Aparicio, que conta a história do jovem Segundo [Junior Bejar], que busca aprender o ofício de seu pai Noé [Amiel Cayo] e assim continuar com o legado da família.
Os retábulos construídos pelo ‘mestre’ Noé são pequenas reconstituições de famílias tradicionais da região. São simulacros nos quais Noé, de certo modo, congela o momento perfeito, como se não houvesse nada antes ou depois. A ilusão da perfeição exibida nos retábulos logo se quebra quando percebemos que há algo que consome a família de Segundo. O pai se embebeda constantemente e toma caminhos desconhecidos vez ou outra. Da mesma forma, Segundo parece não saber como lidar com a responsabilidade vindoura nem com a frustração de estar preso a uma rotina que ele talvez não deseje. A mãe [Magaly Solier] tenta equilibrar estas duas forças que parecem cada vez mais próximas do impacto.
O filme irá se aprofundar de forma tocante na relação intempestiva entre pai e filho, um misto de carinho e revolta, amor e compreensão que resulta em uma conclusão absolutamente sublime, que fecha o filme com chave de ouro: um retrato que se é possível decorar com os olhos fechados, visto que está pra sempre dentro do coração.

BORAT – FITA DE CINEMA SEGUINTE
Jason Woliner
2020
★★★★½


Gente do céu! O que foi isso? O novo Borat chega pra calar a boca de ‘certas pessoas’ que adoram dizer que o politicamente correto está matando o humor. Na mesma linha do primeiro filme de 2006, um dos sucessos mais inesperados daquele ano, aqui temos novamente Sacha Baron Cohen desta vez destroçando sem a menor piedade a sociedade americana conservadora, direitista [sim, humor também pode ter lado político], supremacista e terraplanista.
O fiapo básico de história mostra que, após queimar a imagem do Cazaquistão no mundo, Borat foi mandado para um campo de trabalhos forçados. Anos depois, ele recebe a missão de levar um presente para o vice-presidente Mike Pence – uma macaco inteligente que faz filmes pornôs [o presente no caso, não o vice-presidente]. Após uma viagem com trocentas paradas [o que gera uma das piadas mais geniais do filme], Borat chega novamente à América apenas para descobrir que, ao invés do macaco, quem veio foi sua filha de 15 anos Tutar [a sensacional Maria Bakalova]. Sem o macaco, Borat negocia entregar a sua própria filha para Mike Pence em troca do perdão em seu país.
O filme não atinge o grau de insanidade do original de 2006, talvez porque a fórmula do mockumentary de Borat já não seja novidade – hoje é possível perceber quais cenas são encenadas e quais são efetivamente improvisadas. Ainda assim, não há como não gargalhar com algumas das tiradas mais inteligentes e iconoclastas do ano, com um humor que não mede esforços para ser absurdamente ofensivo ao mesmo tempo que critica de forma certeira a hipocrisia e a ignorância generalizada [a sequência em que Borat coloca um grupo de supremacistas brancos para cantar com ele é um momento absolutamente surreal].
A atriz búlgara Maria Bakalova [23 anos na época das filmagens, é bom lembrar] é um achado sem precedentes, com uma cara de pau igual ou até maior do que o próprio Cohen [veja a sequência do baile de debutantes e você vai compreender].
Isso nos leva a um momento quase histórico no qual ela, agora uma mulher empoderada e atuando como jornalista, decide entrevistar Rudolph Giulianni, ex-prefeito de Nova Iorque e advogado de Donald Trump. O que acontece ali é algo que você jamais seria capaz de imaginar. Só vendo.
Jogando seus holofotes para a febre de fake news, o filme ainda encontra tempo para marcar seu território em relação a “MacDonald” Trump e sua aproximação com governos de extrema-direita [sim, nós orgulhosamente estamos no meio], mostrando que o mundo definitivamente não melhorou nos últimos 14 anos. E ainda temos a Covid-19, que é uma presença bem particular no filme.
Que você consiga discutir tudo isso em um mesmo filme e ainda gargalhar de quase passar mal é um feito que poucas obras conseguem. Nice!
BÔNUS
Confira no vídeo abaixo minha crítica sobre O SOM DO SILÊNCIO, um dos melhores filmes e uma das melhores interpretações do ano.
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Márcio L. Santos é jornalista, apaixonado por Star Wars, A Mosca e Os Simpsons. Costuma ver pelo menos um filme ou um episódio de série por dia e faz às vezes de crítico de cinema nas horas vagas, já tendo atuado na 91 Rádio Rock, CBN, Portal Pipoca Moderna. Atualmente colabora com o canal de Youtube Realidade Fantástica, no qual analisa diversas obras clássicas do cinema.
 

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