Valquíria Elita Renk, a pesquisadora da educação de imigrantes no Paraná

Professora e pesquisadora ajudou a desvendar uma parte da da história da educação de imigrantes no Paraná, contribuindo para os estudos étnico-educacionais

Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
Valquíria Elita Renk nasceu na cidade de Maravilha, Santa Catarina, no dia 02 de dezembro de 1962. Diz ela: “recebi este nome pois meu pai gostava muito da música Cavalgada das Valquírias, de Richard Wagner”. Aos 18 anos, em 1980, mudou-se para Curitiba, quando veio fazer o vestibular na Universidade Federal do Paraná (UFPR), fixando-se definitivamente na cidade. É casada, tem um filho e uma neta.
A família de Valquíria descende de imigrantes alemães, que vieram do Rio Grande do Sul. Ela é a quarta filha, em uma família de cinco filhos. Sua primeira língua foi o alemão, falada em casa, nos encontros familiares, lida na Bíblia e em outros livros. Conta que, na adolescência, sentia um pouco de vergonha por ser filha de um “colono” (agricultor) e por falar a língua alemã, numa cidade em que as pessoas falavam português e sem o sotaque alemão. Mas foi graças a esse aprendizado da língua alemã que ela conseguiu ler o jornal Der Kompass (A Bússola), para escrever sua dissertação de mestrado.
Os pais de Valquíria eram agricultores. O pai estudou até o que seria hoje o quinto ano e a mãe até o terceiro. Ainda assim, a leitura de obras literárias e jornais sempre esteve presente em sua infância e adolescência. No inverno, ao redor do fogão a lenha, o pai sempre lia para os filhos pequenos, incentivando-os a prosseguirem nos estudos, no que foi bem-sucedido, porque todos fizeram ao menos um curso de graduação. Relembra Valquíria que em casa sempre ouvia as histórias da Segunda Guerra Mundial, que seus pais vivenciaram no Rio Grande do Sul, como as perseguições e a proibição de falar a língua alemã em casa. Sua mãe contava que a avó materna se desfez de livros, Bíblia e jornais, moldes de roupa cortados em jornais alemães (afinal naquela época as mulheres faziam as roupas da família em casa) em língua alemã devido a perseguição e prisões no período de guerra. Seu pai relatava que tinha 18 anos (nos anos de 1940) e ficou dois anos no Exército para “ser nacionalizado”, apesar de ser brasileiro.
Quando Valquíria entrou na escola, aos 6 anos, a língua portuguesa passou a ser a principal língua de comunicação em casa e em espaços públicos. Nesse sentido, desde pequena, sempre gostou muito de ler e declamar poesias na escola e em concursos.
Com 17 anos, fez o primeiro vestibular na UFPR e foi aprovada em Geografia. Concluída a graduação, em seguida foi aprovada em um concurso da Prefeitura de Curitiba, passando a ser professora da Educação Básica. Trabalhou por sete anos na rede municipal de ensino, em diversas escolas da periferia de Curitiba, o que lhe trouxe muitos aprendizados de vida e de dignidade humana.
Concomitantemente, exercia o ofício de professora em escolas particulares de educação básica e de ensino superior. Mais tarde, foi aprovada em concurso para ser professora na rede estadual de ensino, na qual se aposentou. Por quase vinte anos trabalhou no Museu da Imagem e do Som do Paraná, no Setor de Pesquisa. Nesse período dividia sua vida profissional com as atividades museológicas e ser professora. Ainda jovem, apenas com a especialização concluída, começou a lecionar na Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, onde se encontra até hoje.
Valquíria relata que, após a graduação, fez especialização, depois o Mestrado em Educação na PUCPR e o Doutorado em Educação na UFPR, quando se aproximou da temática de educação/escolas de imigrantes. No Mestrado, passou a se interessar pela temática das escolas de imigrantes ou escolas étnicas e foi aprendendo a fazer pesquisa pelas mãos da inesquecível orientadora Professora Betinha (como carinhosamente é chamada a Professora Dra. Maria Elisabeth Blanck Miguel). No decorrer das pesquisas, foi se aproximando dos autores que pesquisavam a temática, especialmente das escolas alemãs ou teuto brasileiras e passou a buscar algumas escolas de Curitiba que haviam sido escolas alemãs, como o atual Colégio Bom Jesus, o Colégio da Divina Providência e o Colégio Martinus em busca de arquivos e vestígios das suas histórias.
Durante essa trajetória, a memória lhe trouxe à tona as histórias ouvidas na infância, especialmente sobre a Segunda Guerra Mundial e as tensões ocorridas entre o governo e as comunidades étnicas e ela decidiu passar a investigar a temática. Interessava-lhe muito a documentação escolar e o processo de nacionalização. Assim, no Mestrado, investigou uma escola alemã católica de Curitiba, no período de 1902 a 1938 (atualmente Colégio Bom Jesus).
Com alguma experiência em pesquisa, no Doutorado investigou o processo de nacionalização das escolas eslavas (polonesas e ucranianas) do Paraná, desde as primeiras décadas do século XX até 1938, quando ocorreu a nacionalização compulsória e o fechamento de todas as escolas étnicas, assim como dos clubes e associações instrutivas e culturais. Pelas mãos da Profa. Dra. Vera Marques Beltrão, a Verinha (in memoriam), prosseguiu na pesquisa sobre as escolas de imigrantes. Para responder às indagações para as quais os documentos não eram suficientes, investiu nas entrevistas. Entrevistou senhores e senhoras que vivenciaram esse processo, que haviam estudado em escolas polonesas ou ucranianas do Paraná, nos anos de 1930, até 1938, quando o governo Manoel Ribas fechou as escolas étnicas no Paraná e, posteriormente, o Presidente Getúlio Vargas decretou o fechamento de escolas e associações culturais étnicas em todo o país e proibiu o uso da língua estrangeira em espaços públicos. Sobre essa temática, Valquíria possui livros e artigos publicados.
Valquíria destaca que “mexer com as memórias da época de guerra não é simples. Durante as entrevistas ouvi muitos relatos de situações de dificuldades, violência e sofrimento em não poder se comunicar na língua materna, de não poder prantear os mortos no velório por não saber rezar em português, de ter a casa invadida pela polícia em busca de rádios, de precisar usar o salvo-conduto para se deslocar, de prisões, delações anônimas, dos livros apreendidos, livros e documentos queimados, clubes fechados, escolas fechadas…. enfim, é um tema que me encanta” (RENK, 2021). Essa parte da história do Brasil e do Paraná não está escrita nos livros e foi relatada pelas lembranças de infâncias dos entrevistados.
O tema imigração realmente encanta a Valquíria, “pois revela memórias que não estão escritas, de famílias de imigrantes que enfrentaram inúmeras situações bastante adversas, mas, que lutaram por ter suas escolas (quando não havia escolas públicas nas colônias de imigrantes do Paraná) e buscaram através da escolarização uma vida melhor para os filhos” (RENK, 2021). Acrescenta ela que, durante as pesquisas, buscou memórias que contribuíssem para contar o processo de escolarização de imigrantes e como foi a nacionalização compulsória das escolas, a experiência das crianças (na época) que no início do ano letivo de 1938 se viram em uma escola nacionalizada ou pública e que não compreendiam uma única palavra de português. Valquíria conta que ouviu relatos de formas de discriminação que as crianças (na época) sofreram por serem “polacas” ou ucraínas, pelos seus sotaques e como as famílias lutaram para manter a cultura de origem viva na família.
Chamou-lhe a atenção que, durante as entrevistas, os (as) depoentes relatavam como as famílias ensinavam a língua e a cultura do país de origem para que não se perdessem no Brasil. Dessa forma, ensinavam “a fazer pêssankas, bordar o enxoval ou objetos de decoração com motivos étnicos, pierogi ou perohê, a cuca, a broa…. as tradições que ainda existem no Paraná hoje”. E acrescenta que isso lhe lembra “muito o que antropóloga Manoela Carneiro Cunha diz: que na imigração a cultura não se perde, mas, vem junto na bagagem” (RENK, 2021).
Nas entrevistas feitas por Valquíria, os dilemas vividos pelas famílias de descendência étnica no Paraná, na década de 1930, foram relatados e rememorados pelos (as) participantes. Entre eles, pode-se mencionar alguns: “como colocar ou não um filho ou filha em uma escola pública, como aprender o alfabeto cirílico para ler a Bíblia e outros livros sacros, senão através da escola étnica ou da Igreja? Em um país que estava nacionalizando a escola, obrigando o ensino em língua portuguesa, como não deixar os filhos passarem por esta experiência? Como explicar para a criança que a escola que ela frequentava foi depredada, que os livros foram apreendidos ou que ela (a escola) foi fechada? Como explicar que a escola que havia sido construída pela comunidade só voltaria a funcionar se o ensino fosse em língua portuguesa, com professores (as) que não eram da comunidade e que não conheciam a língua polonesa ou ucraniana? Como uma criança poderia entender que não deveria se comunicar em língua materna do portão da casa para fora? Que deveria seguir em silêncio enquanto se deslocavam nas estradas da colônia, para a família não ser delatada às autoridades e até presa? Como o Padre iria dizer aos fiéis que a missa não poderia mais ser rezada em língua estrangeira e que havia um policial na porta para observar e prender se fosse necessário? “(RENK, 2021).
Das pesquisas que realizou, hoje, com um certo distanciamento, Valquíria traz muitas lembranças. Entre elas, as tardes de entrevistas, quando lhe era servido um café quentinho, ao tempo em que ouvia relatos emocionados da infância, vendo fotografias e olhando livros didáticos antigos. Ou, ainda, a expectativa e a alegria que teve em poder conhecer e manusear documentos nos arquivos dos Seminários ou Congregações que eram abertos para que ela conhecesse os tesouros guardados em coleções de jornal, especialmente do Gazeta Polska, dos armários que eram abertos e lhe permitiam fotografar livros com as memórias das Congregações Religiosas dos anos de 1930, guardadas como relíquias (RENK, 2021). Valquíria lembra:

dos inúmeros dias das férias escolares/acadêmicas em eu podia acessar os arquivos escolares “recheados” de memórias de tempos antigos como cadernos com as caligrafias e lições, livros didáticos, livros de frequência, quadrinhos de lousa; das inúmeras manhãs e tardes em que eu frequentava a Seção de Obras Raras e periódicos da Biblioteca Pública do Paraná, lendo os jornais da década de 1910 a 1940, buscando vestígios para a pesquisa e me deixando levar pelas notícias, propagandas que os jornais publicavam; dos dias de pesquisa no Arquivo Público, usando luvas e máscara facial manuseando os Relatórios de Governo e o acervo dos Dossiês DOPS e muito mais…… me encantaram e foram um incentivo para continuar as pesquisas (RENK, 2021).

Nesse pesquisar, Valquíria percebeu que as histórias que sua mãe lhe contava, que eram lembradas por seu pai, era similares àquelas contadas pelos participantes das entrevistas. Um grande respeito pelas histórias contadas por descendentes de imigrantes a invadiu, pois eram momentos de uma grande carga emocional.
Valquíria fez questão de mencionar que, durante sua trajetória de pesquisadora e professora conheceu pessoas maravilhosas, que lhe relataram suas memórias. E cita o professor Lúcio Kreutz, da Universidade do Rio Grande do Sul, que pesquisou escolas de imigrantes e participou das bancas de defesa de seu Mestrado e do Doutorado. Por último, cita o professor Ruy Wachowski, cujos livros lhe ensinaram muito sobre os poloneses do Paraná, permitindo-lhe compreender melhor o universo cultural que envolve as comunidades étnicas polonesas e a importância da escolarização para os seus descendentes.
Ao desvendar esse período da história da educação de imigrantes no Paraná, a professora doutora Valquíria Elita Renk traz uma contribuição inestimável aos estudos étnico-educacionais.
Nossos agradecimentos à Prof.ª Drª Valquíria Elita Renk, pela entrevista concedida e pela cessão da foto que ilustra a coluna.
Para saber mais

  • RENK, Valquíria Elita. A educação dos imigrantes alemães católicos em Curitiba. Curitiba: Editora Champagnat, 2004.
  • RENK, Valquíria Elita. As escolas étnicas polonesas e ucranianas no Paraná. Curitiba: Editora Appris, 2014.

 

Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.

 

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