O Filho Mau: Artistas curitibanos transformam história de tragédia familiar em HQ

A publicação, criada pela escritora Carol Sakura e pelo ilustrador Walkir Fernandes, tem distribuição gratuita

Por Camile Triska
Uma história real do assassinato do pai pelo filho é o pano de fundo de uma nova HQ curitibana, “O Filho Mau”, produzida pela escritora e pesquisadora Carol Sakura e pelo ilustrador e diretor de animação Walkir Fernandes. A publicação foi inspirada em relatos que a autora ouviu de sua avó ao longo da vida.
“Sempre quis contar essa história porque a achava muito impressionante, e toda vez que minha avó falava nela, alguma coisa estranha surgia”, lembra Carol.
Na HQ, uma menina e sua avó conversam enquanto dores e traumas de ambas se misturam. Mas, o enredo vai além e se transforma também em algo estranho, com tons sobrenaturais que remetem a muitas outras narrativas de violência dentro das famílias.
“Desde o início, me chamou a atenção a violência camuflada que nos rodeia. Todo mundo tem uma história de violência na família. São histórias tristes e que ecoam ao longo dos anos e gerações, como um vulto, um fantasma ou mesmo uma doença que teima em não sai da nossa casa ou cabeça. A gente se pergunta como esse mal marca a vida dos que ficam?”, questiona Walkir.
Segundo o ilustrador, contar a fábula de um “Filho Mau” foi uma viagem a um interior do Brasil “onde as ruas são desertas, ainda vive a vovozinha, o ônibus passa longe, e só de vez em quando, e o Lobo Mau está sempre atento, pronto para agir.”

Foto: Divulgação

Parceiros antigos, inclusive no premiado curta-metragem “Apneia”, Carol e Wilker mudaram seu processo de trabalho em “O Filho Mau”. “Foi um projeto muito nosso, porque não defini quadros como num roteiro normal: fomos fazendo juntos. Ele criava esboços de como imaginava a construção das cenas e eu escrevia. Nunca fiz algo tão colaborativo”, revela Carol.
A HQ terá um lançamento virtual na próxima quarta (09/12), às 19h, em live no Instagram @walkirfernandes. A publicação, que foi realizada com o Programa de Apoio e Incentivo à Cultura – Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba, tem tiragem de 1 mil exemplares com distribuição gratuita na Gibiteca de Curitiba, localizada no Solar do Barão (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 533 – Centro) e na Itiban Comics Shop (Avenida Silva Jardim, 845 – Água Verde).
Em entrevista para o Curitiba de Graça, Carol Sakura contou mais sobre as inspirações e a produção da HQ.
Por que abordar a violência dentro das famílias?
Sempre que falávamos de histórias familiares algum tipo de violência acabava surgindo. O que se tornou evidente foi como a violência é ainda mais intensa dentro dos núcleos familiares. Essa parecia uma história bem mais ampla e comum do que a experiência pessoal que tínhamos. Parecia um tema de todos.
Mais do que violência doméstica, a HQ aborda como esses casos influenciam no relacionamento entre outras pessoas da família. É uma tentativa de tentar entender o que leva alguém a se tornar violento?
É bem por aí. Parece que na sociedade todas as histórias violentas buscam um culpado que justificaria a violência: a maldade, o sobrenatural, a loucura. Mas o que sentimos, no nosso processo, é que há algo violento nas relações familiares mais íntimas. São tensões muito complexas e acredito que pouco discutidas.
Foto: Divulgação

Vocês mencionaram que a história, embora inspirada em fatos reais, se desdobra para algo sobrenatural. Poderia explicar um pouco mais sobre isso?
Acho que explorar o fato de uma perspectiva sobrenatural é questionar as fontes dessa violência, elas nos assombram como fantasmas e vão se perpetuando como um tipo de maldição. Pela ficção tentamos provocar a reflexão a respeito do sentido de “mau” e desconstruir os sentidos possíveis da maldade. A roupagem sobrenatural dá mais ambiguidade para essas perguntas.
A HQ é inspirada em histórias contadas por sua avó. É possível nos dizer até onde o que lemos na obra é real ou fictício?
Não gosto muito de traçar um limite entre o factual e o ficcional. Como não presenciei os eventos, e como ouvi diferentes versões dele, ele é todo ficção de certa forma. O que houve mesmo, infelizmente, é que o irmão da minha avó assassinou o próprio pai.
Foram realizadas outras pesquisas sobre o tema para produzir a HQ?
Para os personagens e cenários foi realizada uma pesquisa iconográfica. O Walkir usou como referência fotos de seus parentes mais distantes. Nós dois temos resquícios desses espaços rurais em nossa genealogia que tentamos representar imageticamente no livro. Enquanto escrevia o texto me voltei muito para os contos de fadas, acredito que eles contribuíram para outra perspectiva da maldade dentro da história. São narrativas essenciais também carregadas de violência e de expressões do “mau”.
 
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