Neusa da Aparecida Smolka teve importante atuação em diversos programas destinados a pessoas em vulnerabilidade social
Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
Neusa da Aparecida Smolka nasceu em Curitiba, no dia 13 de maio de 1940, filha de Januário Gonsalves Caxambu e de Adelaide Apolinária Gonsalves. É a segunda filha do segundo casamento da mãe, tendo dois irmãos: Cleusa e Januário (falecido).
Do pai, nascido em Castro, não tem lembrança, o que sempre lamentou, pois ele faleceu quando tinha apenas 2 anos de idade. Sempre ouviu a mãe falar que era uma boa pessoa e que fazia muita falta à família. A mãe, uma lutadora por excelência. Iniciou sua vida profissional sendo cozinheira; mais tarde, foi contratada para trabalhar em uma campanha de construção da rodovia BR-277, situada no local denominado Vila Virmond. Ali permaneceu por 8 anos. Nesse período, os filhos ficaram em um colégio interno. Neusa lembra que dona Adelaide, apesar da pouca escolaridade, sempre foi muito preocupada com a educação dos filhos e queria que estudassem, mesmo com a dificuldade de comprar uniforme e material didático.
Saindo de Vila Virmond, a família foi para Irati, onde ficou por um ano. Em seguida, vindo para Curitiba, a mãe foi trabalhar num ateliê de costura que ficava na rua XV de Novembro, denominado Ateliê São Paulo. Para aumentar seu rendimento, trabalhava também na casa da dona do ateliê, cozinhando e costurando. Mudaram-se, depois, para Santa Felicidade e dona Adelaide decidiu dar aulas de corte e costura em casa. Para os filhos, ela foi um exemplo de mãe. E Neusa teve a felicidade de mostrar a ela que seus ensinamentos como pessoa geraram bons frutos.
Com 14 anos, Neusa formou-se no ginásio no Colégio Estadual do Paraná. Nessa época, estudava à noite para poder trabalhar durante o dia e ajudar a mãe. Trabalhava como cabeleireira e manicure, desde os 13 anos, em um salão aberto na própria casa da família. Cursou o primeiro ano de Contabilidade, mas em seguida trancou o curso, só voltando a estudar mais tarde. Enquanto fazia o curso, conheceu aquele que viria a ser seu marido, Pedro Eduardo Asevedo Smolka, filho do sr. Modesto Elói Smolka e da srª Francelina Asevedo Smolka, que possuíam uma loja na rua XV, a Casa Elói, que vendia máquinas de escrever e importados. Pedro concluiu o curso de Contabilidade, cursou o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva – CPOR, em Curitiba, e, mais tarde, fez o curso de Medicina.
O casal teve duas filhas e três netos. Dr. Pedro a incentivou a voltar a estudar e, assim, ela, aos 35 anos de idade, ingressou na Faculdade de Serviço Social, formando-se com 39 anos. Com a indicação de uma amiga, entrou na Fundação de Recuperação do Indigente (FREI) como assistente social. À época, a FREI era uma fundação autônoma e, para trabalhar nela, não era exigido concurso público. Mais tarde, passou a integrar a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, transformando-se em Fundação de Ação Social – FAS, órgão da prefeitura. Neusa, como era exigido, prestou concurso público e foi aprovada para trabalhar na FAS (FAS, 2021).
Sobre esse período de sua vida profissional, nossa entrevistada menciona que participou de programas com a população de rua; do assentamento de famílias moradoras de favelas na Comunidade Rurbana; da coordenação do projeto da casa de acolhida para mulheres vítimas de violência social e psicológica. A respeito, ela narra que, no início de funcionamento da FREI, as pessoas eram encaminhadas para a instituição pelas próprias famílias, que muitas vezes dispunham de condições, mas não desejavam assumir o cuidado de familiares idosos. Na oportunidade, o governo alemão havia feito a doação de algumas casas (pequenas) em Campo Magro, que eram habitadas por funcionários da FREI. Cinco delas foram cedidas para internos, que moravam lá e trabalhavam na lavoura, na horta, no aviário, criavam coelhos, plantavam frutas e verduras, produtos que abasteciam as escolas da Prefeitura. “Era uma maravilha”, acrescentou. Esse projeto foi sendo alterado por novas gestões e, finalmente, perdeu seu objetivo.
Outra experiência marcante diz respeito à sua atuação no projeto do prefeito Jaime Lerner, ao criar a Comunidade Rurbana, em Campo de Santana, na qual foram assentadas 60 famílias. Ela relata que, nesse período, sua vida era uma verdadeira loucura: de manhã, ia para Campo Magro e, à tarde, para Campo de Santana, onde realizava entrevistas com as famílias. Em Campo de Santana, não havia escola e o padre local não queria que os assentados estudassem. Neusa conta que, então foi à Fundepar e lutou pela construção de uma escola, no que foi bem-sucedida, tendo contado com o apoio do secretário da Educação à época, Dr. Roberto Linhares da Costa. Foi construída uma escola isolada, que funcionava em três turnos (8-11; 11-14; 14-17). A mudança do prefeito e a não concordância com o que havia sido feito levou à construção de outra Comunidade, nos mesmos moldes da que existia em Campo de Santana, porém em São José dos Pinhais, com o objetivo de assentar 120 famílias. Esse projeto, no entanto, não chegou a ser inteiramente concretizado. Acrescenta Neusa: “cada governo quer pôr a sua marca, que a cada governo é diferente”.
Quanto ao trabalho com indigentes, ela narra que o objetivo da administração pública era retirá-los das ruas. Nesse sentido, a FAS contava com a colaboração de alguns albergues: o da Federação Espírita, o São João Batista e o Esperança. Neusa gerenciava esse processo e, ademais, solicitava doação de roupas, cigarros, e apoio na elaboração de documentos, para essas pessoas. Quando algum dos indigentes falecia e não possuía família, ela providenciava o enterro no Cemitério Santa Cândida. Buscava-se dar a eles atendimento integral.
Saindo de Campo Magro, ela foi trabalhar na sede da FAS que ficava próxima ao cemitério da Água Verde. Ali, com frequência, apareciam mulheres vítimas de violência que pediam para tomar banho, solicitavam abrigo ou até mesmo levavam flores para agradá-la (retiradas do cemitério…). Eram mulheres que necessitavam de acolhida, mas não havia onde colocá-las. Os homens tinham lugar para ficar, mas as mulheres não. Curiosamente, a esposa do prefeito à época, senhora Margarita Sansone, frequentava o mesmo salão de beleza que Neusa e, num dia, conversando com Margarita, Neusa mencionou que era necessário fazer alguma coisa por essas mulheres, com o que a primeira-dama concordou. Assim, foi construída uma casa perto do viaduto do Capanema, próximo ao supermercado BIG, para abrigar essas vítimas: a “Pousada de Maria”, que foi a primeira casa de Maria do Brasil, criada em 11 de novembro de 1993. Até 2018, a Pousada já havia acolhido mais de sete mil mulheres e seus filhos, que chegaram ao local por meio das equipes de assistência social de Curitiba (CURITIBA, 2018). Meses depois, realizou-se um evento em Curitiba, que contou com a presença de governadores de todo o país, os quais vieram acompanhados de suas esposas. O governador Jaime Lerner, então, inseriu na programação desse grupo uma visita à “Pousada de Maria”. Foi o suficiente para que o projeto fosse reproduzido em muitas capitais e cidades do país. Todos os governos procuraram fazer sua “casa de Maria”.
Neusa ressalta que, nesse projeto, houve significativa colaboração dos clubes soroptimistas de Curitiba, que se dedicam à proteção da mulher e da menina, em especial contra a violência doméstica.
Outra iniciativa marcante foi a implantação do serviço social na Rodoviária. Sabia-se que em São Paulo havia um serviço desse tipo na Rodoviário e o Prefeito determinou que se fosse até lá conhecê-lo para, em seguida, implantá-lo em Curitiba. Ali, também eram atendidas mulheres que ficavam fora de casa, com filhos de até 10 anos de idade. A elas, era ensinado conviver, organizar a higiene, tomar conta de sua vida.
Mais tarde, Neusa passou a ser superintendente da FAS, coordenando a área social de Curitiba. Nessa fase de sua vida, foi convidada a fazer parte do Soroptimista Internacional Curitiba Glória, participando de programas que fazem a diferença para mulheres e meninas, e no qual encontrou sua realização. Foi eleita presidente por duas gestões, acrescentando que os programas desenvolvidos em suas gestões lhe proporcionaram muita alegria.
Neusa participou também do projeto “Árvore da solidariedade”, em Curitiba, cuja ideia surgiu em uma das reuniões do Conselho Municipal Feminino, do qual era coordenadora, e que foi inspirada no que se fazia em shoppings nos Estados Unido, na época do Natal. Colocava-se na árvore de Natal cartõezinhos com o nome de crianças de orfanatos e de creches, a pessoa retirava o nome da criança, comprava o presente para ela e havia um dia especial para a entrega. Esse projeto iniciou no Shopping Curitiba, que fez um evento bem movimentado com a entrega de presentes. Atualmente, a ideia se popularizou e muitos outros shoppings e supermercados a adotam.
Hoje, aposentada após 27 anos de serviço público, dedica-se à filantropia. Faz parte da Associação de Santa Rita de Cássia há 60 anos, confeccionando roupas de tricô para bebês, que são distribuídas por intermédio da Pastoral da Criança. Com a ajuda de sua sobrinha Maria Aparecida Granatto, Neusa criou o grupo “Amor de vestidinho”, que reúne mais de 30 mulheres, a maioria professoras aposentadas, as quais fazem vestidos em cujo bolso colocam uma boneca, feita por elas também, para presentear meninas. Em 2019, foram distribuídos 700 vestidinhos em Manaus. As integrantes do grupo organizam lanches e almoços para arrecadar recursos para a compra de tecidos e recebem doações.
Esta é Neusa, uma vida dedicada ao próximo. Sobre isso, diz ela: “Faço muito pouco, por tudo que já ganhei e ganho na vida”.
Nossos agradecimentos à Sr.ª Neusa da Aparecida Smolka, pela entrevista que nos foi concedida e pela cessão de uso da foto que ilustra a coluna.
Para saber mais
- CURITIBA. Prefeitura Municipal de Curitiba. Pousada de Maria já acolheu 7 mil mulheres vítimas de violência, 2018. Disponível em: https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/pousada-de-maria-ja-acolheu-7-mil-mulheres-vitimas-de-violencia/45891. Acesso em: 27 mar.2021.
- FUNDAÇÃO DE AÇÃO SOCIAL – FAS. Histórico da FAS. Disponível em: https://fas.curitiba.pr.gov.br/conteudo.aspx?idf=71. Acesso em: 29 mar.2021.
Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.
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