Mulheres Paranaenses: Dirce Clève, uma mulher sintonizada com seu tempo

Professora, escritora, nomeando uma biblioteca e um concurso literário, ativista de direitos das mulheres, dona de casa, mãe e avó, Dirce Clève tem uma ampla atuação na sociedade

Por Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
Dirce Doroti Merlin Clève nasceu em 28 de fevereiro de 1934, em Canoinhas (SC), filha do sr. Cláudio Merlin e de dona Mercedes Pschera Merlin. Seu pai atuava no comércio e sua mãe era exímia costureira, tendo sido aluna do Atelier de Madame Sofia, famoso à época na área da alta costura. Embora dotada de muita habilidade nessa área, Mercedes não se dedicava sempre a esse mister. Quatro foram os filhos do casal: Dalmir Ysis, Dirce Doroti, Dinazir Dilma e Dagoberto Tadeu.
Em 1957, Dirce casou-se com o jovem advogado e hoje desembargador aposentado Jeorling Joely Cordeiro Clève, fixando residência em Pitanga, cidade em que nasceram os filhos Christiane, Clèmerson e Luiz Roberto. Mais tarde, residindo em Guarapuava, nasceu Luciane.
Extrovertida e brincalhona, conta que seu grande sonho, na infância, era ser “anjo” nas festas da Igreja Santa Teresinha, em Ponta Grossa, frequentada por sua família. Num dia de novembro, Dia de Todos os Santos, esse sonho se concretizou: fora convidada para ser “anjo” na festa da igreja! Chegando lá, exultante de alegria, teve a triste notícia: a Igreja Matriz não havia enviado as “asas” e ela, muito triste, quase chorando, desfilou como “anjo sem asas” … Isso não impediu, no entanto, que fosse convidada para tirar fotos.
Dirce estudou no Instituto de Educação do Paraná e, após, fez a licenciatura em Letras, na Faculdade Católica de Curitiba, atual PUCPR. Casada, residindo em Pitanga, aí iniciou sua carreira no magistério, tendo sido diretora e professora fundadora da Escola Normal Secundária Prof. Brandão e do Ginásio Estadual da cidade, trabalho que, mais tarde, reconhecido pela comunidade, lhe garantiu a outorga do título de Cidadã Honorária de Pitanga, em abril de 2004. Dirce fez curso superior e trabalhou fora, fundou escola e constituiu família, dando conta de todas essas responsabilidades, numa época em que as mulheres dispunham de pouco espaço na vida pública.
Vindo para Curitiba, continuou atuando como professora. Como consta de sua página no Facebook, em homenagem que lhe foi prestada, “Os alunos são só elogios à exigente professora de português”. Da mesma página, consta que Dirce recebeu homenagem da Associação Paranaense de Administradores Escolares, da qual foi uma das fundadoras.
A atuação de Dirce na sociedade é ampla, destacando-se na literatura e na proteção aos direitos de meninas e mulheres.
Na literatura, destaca-se como acadêmica da Academia Feminina de Letras do Paraná, ocupando a cadeira 10, cuja patrona é Isaura Sydney Gasparini. É, também, membro do Centro Paranaense Feminino de Cultura. Dentre suas obras, encontram-se “Direitos humanos para meninas e mulheres” (2007) e “Descobrindo novos horizontes: construindo pontes para um mundo melhor” (2012). Em seu livro mais recente, “Família Merlin: memória é pura imaginação”, lançado em novembro de 2014, relata a saga dos imigrantes italianos vindos de Verona e, em especial, do casal Giuseppe e Giuditta Merlin. Segundo Esteche (2015), essa obra foi motivada pela curiosidade de um dos netos de Dirce, Luís Gustavo, que sempre procurou saber mais sobre a história da família. Assim, a obra teve o objetivo de deixar aos netos dados relevantes sobre a viagem e a coragem dos ancestrais da família. Atualmente, o casal Dirce e Jeorling dedica-se à pesquisa histórica, com publicações de grande importância para a memória do Paraná.
Os escritos de Dirce fazem parte, também, de antologias como “Soroptimist em minha vida”, “Com justiça e com afeto”, “Centristas do jubileu” e “Setenta anos de soroptimist no Brasil”. Ela escreveu, ainda, manuais de orientação a mulheres que sofrem de violência doméstica. As Faculdades do Centro do Paraná, em reconhecimento à sua atuação na educação na cidade de Pitanga, deram seu nome à biblioteca da instituição (BIBLIOTECA Dirce Doroti Merlin Clève, 2020).
Dirce empresta seu nome ao Concurso de Contos Dirce Doroti Merlin Clève, já em sua sexta edição, promovido anualmente pelo Complexo de Ensino Superior do Brasil – Unibrasil, que tem “a finalidade de estimular e valorizar a produção literária de jovens autoras, em comemoração ao mês da mulher” (UNIBRASIL, 2017).
Em dezembro de 2016, Dirce recebeu o título de Cidadã Honorária de Guarapuava.
Na proteção aos direitos de meninas e mulheres, é voluntária da Soroptimist International, organização com sede na Philadelphia, Estados Unidos, na qual chegou a ocupar um dos mais altos cargos, integrando o Conselho de Diretoras das Américas, em 2004, como Diretora da Federação. Respeitada por mulheres do país inteiro, é referência nessa área.
Apesar de sua forte participação na sociedade, como pessoa pública, entendemos que, em sua história, a Dirce mulher, mãe, dona de casa, merece ser comentada. Conhecida e querida por muitas pessoas, adora conversar e dar altas risadas. É uma pessoa atualizada, atenta às modificações que ocorrem no mundo, indignada com as injustiças sociais e com a falta de ética nas ações sociais e políticas. É centrada em questões que envolvem o meio ambiente, a proteção às pessoas, os direitos sociais, a ética. Lê muito, gosta de assistir a filmes e sabe contar histórias com riqueza de detalhes.
Vejamos o que menciona Luciane, juíza federal, em homenagem que fez à mãe, no Facebook, em maio de 2020:
[…] ela tem mãos mágicas na cozinha, de onde sempre sai alguma coisa gostosa, ainda que de improviso. Quirera com bistequinha e couve, macarrão com posta, bacalhoada, moqueca, arroz com feijão e bife acebolado, estrogonofe, arroz doce, canjica, sagu, bolinho de chuva, torta de banana. Seja o que for, pode ter certeza de que vai sair bom e apetitoso, até chuchu refogado. Mas a mãe nunca fez questão nem teve muita paciência para ensinar truques e receitas. Dizia fazer as coisas de olho. Isso até que foi libertador para mim. Recebi como mensagem de que culinária não é vocação natural de mulher (KRAVETZ, 2020).
E Luciane continua, com bom humor: “As mãos encantadas da mãe não são só na culinária. Ela fez quilômetros de tricô e vestiu a família inteira no maior capricho e estilo. Novelos de lã de todas as cores e agulhas de todos os números nunca faltaram nas gavetas”.
Outra paixão de Dirce são as flores e folhagens. Faz mudas, podas, tira raminhos, cuida das plantas, adora fotos de flores. Acrescente-se que ela gosta de cuidar da casa, das roupas da família, enquanto garante aos filhos e netos a certeza de poderem contar com ela sempre que for necessário.
Assim é Dirce. Uma mulher extraordinária, com múltiplos interesses, sintonizada com seu tempo.

Para saber mais

Agradecemos à professora Dirce Doroti Merlin Clève pela entrevista que nos concedeu e pela autorização de uso da foto.


Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.