Houve uma época em que beijos eram distribuídos na Boca Maldita
Por Irma Bicalho
Os jovens que passam pela comportada Boca Maldita de hoje em dia não imaginam que nas décadas de 70 e 80, por esse mesmo local, perambulava uma das figuras lendárias de Curitiba. Usando vestidos rotos, a boca lambuzada de batom carmim, contrastando com a barba sempre por fazer, era Gilda, uma travesti irreverente e polêmica, que causava.
Gilda era moradora de rua. Pedia uma moeda aos transeuntes daquele pedaço do calçadão. Quem não lhe dava a esmola, arriscava ganhar um beijo, na marra. Quem não conhecia a figura era pego de surpresa. Os acostumados já deixavam moedinhas reservadas no bolso para fugir do “castigo”. Muitos tiravam proveito do bom humor de Gilda para pregar peças em amigos, pagando por beijos que eram entregues carinhosamente às vítimas pelo módico preço de algumas pratas. Realmente eram outros tempos. Alguém imagina algo parecido hoje em dia?
Sorrisos e Lágrimas
De onde surgiu essa figura? O verdadeiro nome de Gilda era Rubens Aparecido Rinque. Dentre as teorias de sua origem, a mais conhecida é a de que chegou na cidade com um circo e resolveu ficar. Talvez tenha achado Curitiba muito sisuda, merecedora de um pouco de divertida ousadia.
Mas, a vida de Gilda foi só de beijos e alegria. Muitos capítulos dessa biografia trazem episódios violentos e de amargura. Certa vez, foi enforcada por um morador de rua. Em outra, ocasião foi esfaqueada e quase morreu.
As histórias são mal contadas, mas sempre há um fundo de verdade em cada uma delas. Sabe-se, com certeza, que Gilda amava o Carnaval, sendo emblemática em vários episódios desta festa.
Em 1975, o jornalista Dante Mendonça criou a Banda Polaca, que desfilava em bloco pelo centro da cidade. Saía do Passeio Público e dava uma volta pelo Centro até chegar ao Largo da Ordem. O que no início parecia apenas uma farra entre amigos, foi ganhando adeptos a cada ano e chegou a encher as ruas de foliões. Um deles era Gilda, que se unia ao bloco e fez disso uma tradição.
Contudo, a presença do travesti incomodava alguns. Uma certa vez, Gilda foi presa e internada em um hospital psiquiátrico, bem na véspera do Carnaval. Disseram que por problemas de saúde. Mas muitos afirmaram que foi uma artimanha para impedi-la de participar dos festejos de Momo.
No Carnaval de 1981, ao tentar subir em um dos carros da banda Polaca, Gilda levou um forte chute na boca, revoltando os fãs da foliã injustiçada. Em protesto contra essas arbitrariedades, os frequentadores do tradicional bar Bife Sujo criaram outro bloco carnavalesco, no qual Gilda sambou pela última vez em 1982.
O fim de Gilda
Em 15 de março de 1983, Gilda foi encontrada morta em um casarão abandonado no centro de Curitiba. O corpo já estava em decomposição. No atestado de óbito constam como causas da morte meningite purulenta, broncopneumonia e cirrose hepática.
O corpo foi levado para o IML, mas para o sepultamento foram exigidos documentos ou a presença de um familiar. Foi liberado somente três dias depois, quando a família de Rubens Aparecido Rinque, mandou de Ibiporã, na região norte do Paraná, os documentos necessários.
Gilda foi enterrada no cemitério da Santa Cândida, em uma sepultura cedida pela também travesti Márcia, amiga dela e de outras travestis que viriam a ser sepultadas sob a mesma lápide.
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Homenagens
Diversas homenagens foram prestadas a Gilda na Boca Maldita. Pessoas deixavam flores e cartazes expressando pesar. Até uma placa de bronze em sua homenagem foi fixada em uma árvore perto do Bondinho.
Gilda foi tema de samba-enredo da escola de samba Embaixadores da Alegria. Também inspirou livros, peças de teatro e até um bar, que tomava emprestado seu codinome, mas acabou fechando recentemente.
O diretor Yanko Del Pino gravou um curta-metragem, Beijo na Boca Maldita (2008), contando a história de Gilda através de depoimentos. Confira AQUI.
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