Fotógrafa curitibana retrata casas e dia a dia de descendentes ucranianos em Prudentópolis

Em seu ensaio “Ukrainos”, Larissa Guimarães buscou fazer um resgate histórico de detalhes da cultura ainda presentes na cidade

Por Camile Triska
Pêssanka, borscht, perohê, benção de alimentos na Páscoa… Quando citamos tudo isso, muitos paranaenses, com certeza, já pensam em descendentes ucranianos e suas tradições, uma parte importante da cultura do estado.
Os descendentes de ucranianos estão em diversas regiões do Paraná, mas Prudentópolis é hoje uma das mais representativas comunidades com essa presença – inclusive, serviu até inspiração para uma recente série no Globoplay. Foi lá que a fotógrafa curitibana Larissa Guimarães realizou um ensaio fotográfico, “Ukrainos”, ganhador do primeiro lugar do Festival Internacional de Fotografia de Paraty, realizado em final de outubro deste ano.
Em suas imagens, Larissa buscou fazer um resgate da história desse povo, retratar o dia a dia desses descendentes que levam uma vida simples, dedicada à família e com uma fé católica fervorosa. “Tenho muitas histórias, arrisco dizer que cada foto tem uma história por trás! Os relatos que os moradores me contam são emocionantes e eles sempre são muito receptivos, gostam de uma ‘prosa'”, revela.

Era um sábado de manhã, eu me programei pra sair cedo de casa e devo ter chego à linha rural umas oito horas da manhã. Estava procurando o Seu João, para “devolver” uma foto que tinha feito dele. Enquanto procurava a casa dele, uma luz tenra de uma manhã de inverno iluminava as casas. Vi uma casa mais ao fundo, no meio de algumas árvores. Fiz a volta e entrei.
{palmas}
– Olá?
Uma pequena baba veio atender a porta, arrumando seu lencinho na cabeça.
– Posso conversar um minutinho com a senhora? 🙂 – a afirmativa com o consentimento veio do aceno da cabeça, ainda desconfiada.
– Como é o seu nome? – “Julia”, ela me respondeu.
Nessa hora minhas pernas estremeceram. O nome da minha avó. Olhava para aqueles olhos tão doces e tão curiosos com o que eu estava fazendo ali. Contei toda a minha história e expliquei todo o projeto e que já vinha fazendo a alguns anos. Mostrei as fotos do seu João, já que ainda não tinha devolvido pra ele. “Seu João é meu compadre”, disse ela, com um sorriso.
Pedi para fotografar, com todo o cuidado e respeito que sempre tenho quando estou fotografando pessoas que não “estavam lá para serem fotografadas”.
Dona Julia estava somente arrumando a casa em uma manhã de sábado qualquer. “Posso trocar de roupa?”, ela me pergunta
– “Claro, dona Julia! A senhora pode fazer o que quiser!”.
Enquanto aguardava, olhei as fotos da família na parede. Essa é uma das partes que mais me encanta, o jeito que eles dispõem as fotos, quase como um museu particular.
Voltou dona Julia, vestida de flores coloridas como todos os adornos da casa dela. Ela estava como uma extensão de tudo aquilo, parte da casa, parte da essência dela.
Ela segurou uma jarra também florida e ficou onde a luz entrava tímida pela janela da cozinha. Me olhou com aquele olhar doce, de olhos azuis claros e sorriso encabulado.
Eu só agradeci à vida pela oportunidade de estar ali naquele momento. É só o que faço, realmente. O clique, é secundário, quase que automático, quase que não existe. A história por trás de cada um deles é que fica gravada para sempre em mim.

– Relato de Larissa Guimarães em seu Instagram @lariguimaraesfotos

Prudentópolis sempre foi um refúgio para a fotógrafa, que frequenta a cidade desde criança. “Meus avós maternos são de lá e sempre tivemos parentes morando por lá. Meu avô sempre fazia muita questão de ir pra lá e nós acompanhávamos. Meus avós já são falecidos, mas hoje temos uma casa de campo lá. Nos últimos seis anos fui muito a Prudentópolis! Nossa casa é como um refúgio pra nós, vamos para descansar e curtir em família. Aliás, foi por causa dessa casa que o trabalho “Ukrainos” surgiu”, conta.
Na rua da casa da família de Larissa, uma casinha em madeira bem típica “ucraína” – os imigrantes/descendentes ucranianos se chamam de “ucraínos/ucrainos”, isso porque eles vieram da Ukrayina, então são ucraínos e não “ucranianos”, explica a fotógrafa – chamou sua atenção.
“Sempre passava por aquela casa e a achava linda, até que um dia fui pedir para fotografar. Eles acharam legal que eu estava indo lá, ainda mais porque a casa iria ser desmanchada dali um tempo. Eu fiquei chocada! Eles explicaram que a casa já estava perdida de cupins e seria muito mais difícil restaurar do que construir uma nova casa de alvenaria. Aí que notei essa tendência em muitas casas, muitas já sendo desmanchadas, muita história que iria se perder com isso. As casas são quase que um testemunho dos imigrantes, ainda encontramos algumas que foram construídas por eles e recheadas de elementos da cultura ucraniana”, relata.

Ucranianos no Paraná

Embora os avós de Larissa tenham saído ainda crianças de Prudentópolis, foi naquela região que sua família chegou ao Brasil, logo no início da imigração dos ucranianos no Paraná.
“Nos primeiros meses da pandemia, me vi impossibilitada de fotografar e resolvi buscar um pouco da história da família como eu podia, dentro da sala de casa mesmo. Busquei registros históricos e encontrei o registro da família Balandiuk (família do bisavô de Larissa). Eles chegaram no Brasil em 1896. Oficialmente, o início da imigração começou em 1895”, observa.
Segundo as pesquisas da fotógrafa, a região onde hoje é a Ucrânia, naquela época estava sob o domínio da Áustria, um lugar que sempre foi alvo de disputas, sempre esteve em meio a guerras e o povo em más condições socioeconômicas. Através de agentes, os camponeses recebiam propagandas do governo brasileiro, que prometiam terras férteis e auxílio para eles. “Eles vinham e, de fato, recebiam as terras. Porém, terras com mata fechada, sem nenhuma infraestrutura. Além da dura viagem, da quarentena ao chegar no Brasil, ainda tiveram que recomeçar suas vidas do zero. Foi um início muito sofrido, muitas mortes por doenças e poucos recursos. De maneira geral, todos os descendentes sempre comentam sobre a dificuldade dos primeiros imigrantes, acho que é algo que permeia a todos.”

VEJA TAMBÉM: Fotojornalista paranaense é premiado no “Oscar da Fotografia”

O professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná, Dr. Paulo Guérios, autor do livro “A imigração ucraniana ao Paraná: memória, identidade e religião”, explica que o estado recebeu três ondas de imigração dos ucranianos, relatadas pela professora Oksana Boruszenko.
A primeira leva foi em 1894, quando chegaram as linhas férreas à Galícia, província do Império Austro-Húngaro de onde eles vieram como um grupo étnico, que chamavam a si próprios de “rutenos”, ou referiam-se as suas aldeias como seu pertencimento de base. A segunda ocorreu no final da primeira década do século XX, quando se abriram novas oportunidades para a vinda de imigrantes ao Brasil, e a terceira no período logo após a 2ª Guerra Mundial – leva pela qual a própria professora Oksana Boruszenko veio ao país.
“A questão é que desde a década de 1870 já vinham imigrantes da Galícia para o Paraná. Muitos eram de origem polonesa, mas dentre eles já havia rutenos. Um sacerdote basiliano encontrou alguns desses imigrantes de religião greco-católica (a religião que diferenciava os rutenos como grupo étnico) em Curitiba, na década de 1940”, afirma.

Religiosidade é um aspecto marcante de descendentes de ucranianos. Foto: Larissa Guimarães

Mas, foi a partir de 1894 que vieram mais imigrantes da porção oriental da Galícia, de maioria rutena. “Eles se instalaram em colônias já existentes, onde hoje ficam São Mateus do Sul e Mallet. Quando a quantidade de imigrantes cresceu, foram criados novos núcleos: primeiro Antonio Olyntho, que foi estudado pela professora Maria Luíza Andreazza, e a seguir Prudentópolis”, esclarece o professor.
De acordo com a Representação Central Ucraniano-Brasileira, estima-se que existem cerca de 500 mil descendentes de ucranianos no Brasil, sendo que 81% vivem no Paraná. Contudo, o professor Dr. Paulo Guérios diz que é impossível afirmar números precisos sobre a imigração. “Os imigrantes não eram registrados como ucranianos quando entravam aqui, não havia passaporte ucraniano. Dentre os descendentes, que hoje estão na quarta ou quinta geração, muitos já não se reconhecem como tal”, salienta.
Embora algumas pessoas tenham abandonado tradições e costumes, no Paraná essa cultura ainda permanece forte ou até sendo resgatada, como no ensaio fotográfico de Larissa Guimarães. As Pêssankas, ovos coloridos a mão como presente na Páscoa, a benção de alimentos para essa mesma data, o perohê, o bortsch e outros alimentos continuam no cotidiano ou memórias de muitos descendentes.
“Minha avó veio muito jovem para Curitiba. Ela se distanciou um pouco da cultura e da família, mas as maiores lembranças são relativas à comida e religiosidade. Os ucranianos são muito devotos e minha avó não fugia à regra. Sempre comemorávamos a Páscoa, é a festa mais importante para eles. No Sábado de Aleluia, minha avó preparava a cesta e íamos à igreja ucraniana para a benção dos alimentos. No domingo de manhã, o café da manhã era delicioso, com a Paska (o pão ornamentado, que era o pão mais saboroso que minha avó fazia), os ovos cozidos, manteiga, kobasa (linguiça). Lembro-me com muito carinho de todos os pratos que ela preparava e me arrependo um pouco porque eu era muito enjoada quando criança e muito do que ela fazia da culinária ucraniana eu não apreciava na época”, recorda.
O borscht (sopa de beterraba), o perohê (pastéis recheados de batata, ricota ou feijão), o drahli (uma espécie de gelatina salgada com carne de porco), os holubtsi (charutinhos de repolho) eram alguns dos pratos que a avó dela preparava e Larissa, criança, não gostava. “Mas ela sempre fazia pra mim a massa do varenyky (a massa do pastelzinho), que eu comia cozida, pura. Adorava! Coisas de criança enjoada! Sinto saudades de tudo isso e toda vez que estou fotografando é como se eu procurasse um pouco das minhas próprias raízes em cada casa, em cada pessoa e em cada história”, lembra-se.

Confira outras fotos do ensaio “Ukrainos”, de Larissa Guimarães

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