Especial Dia do Escritor – O que eles têm a dizer

Dois escritores curitibanos falam sobre a arte da escrita, as angústias, carreiras e transpirações

Kristiane Rothstein
No sábado, 25 de julho, é o Dia do Escritor e para falar da arte da escrita, de sua trajetória, de encantar e prender a atenção com a palavra em uma era de grandes estímulos tecnológicos, conversei com dois escritores paranaenses da atualidade: Bebeti do Amaral Gurgel e Luiz Manfredini.
Em 2018, ambos lançaram seus mais recentes livros.  O Uivo dos Invisíveis, de Bebeti, conta com o prefácio da filósofa Marcia Tiburi e aborda a pichação como uma manifestação de arte e político-social. “O pixo (sic) brasileiro é uma forma de escrita presente nos centros urbanos, uma expressão que incomoda autoridades públicas por muitas vezes criticar ou até apoiar o óbvio”, diz. “O Brasil é o único país do mundo onde existem dois nomes para essa expressão. O pixo para o que é considerado feio e subversivo e grafite para o que é belo aos olhos de alguns”, relata Bebeti. Na mesma época, Luiz Manfredini lançou o livro A Pulsão Pela Escrita, biografia do poeta, jornalista e cronista, Wilson Bueno, falecido em 2010, e que fora seu amigo de infância.

Para o escritor Luiz Manfredini, a escrita é dor e liberdade a um só tempo. Foto: Divulgação

Nascidos em Curitiba, na década de 1950, Bebeti e Manfredini tiveram amigos e colegas jornalistas e escritores que lhes impulsionaram na escrita. Mas, o apoio maior de ambos veio de quem estava por perto, o que corrobora que, sim, tanto leitores quanto escritores se fazem com o incentivo que recebem da família.
Veio dos avós o apoio inicial para nossos entrevistados: Bebeti tinha que responder às cartas do avô, que eram enviadas do Rio de Janeiro, religiosamente, “duas, três, quatro vezes por mês”. Manfredini, aos setes anos, mostrou para a avó seu poema sobre a primavera. Recebidas as primeiras aprovações, ambos seguiram sendo incentivados. Ele, na adolescência conheceu seu melhor amigo desta época da vida: o Wilson Bueno. Ali, firmaram amizade e o compromisso da escrita. Não por acaso, se tornaram escritores respeitados. “Aos 13 anos fundei o Centro Juvenil de Letras de Curitiba e escrevia crônicas e poesias para a Gazeta do Povo e para, os hoje extintos, Correio do Paraná e Diário Popular”, conta Manfredini.

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No livro que fez sobre a vida do amigo Wilson Bueno, relata a vez que os dois garotos, decididos a se tornarem escritores, foram atrás do contista mais conhecido da cidade e com fama nacional. “Éramos assim, buscávamos os expoentes que pudessem orientar nosso futuro literário. Dalton nos recebeu no pátio da vidraçaria e ouviu nossa conversa de adolescentes curiosos e esperançosos, ainda que limitados a uma parca vivência de poucos anos. Não me recordo o que o escritor nos disse, a conversa foi breve e encerrou-se quando ele presenteou, a cada um de nós, com um livreto — Novelas nada exemplares — que editou por conta alguns anos antes num formato pequeno, semelhante a uma caderneta, impresso num papel jornal ordinário amarelado pelo tempo.”
Bebeti, aos 11, 12 anos, recebeu da mãe um diário de presente e começou a escrever. Aos 21 anos, pediu aos pais para que pagassem a publicação de um livro, o “Coisas”. “Coloquei este nome porque eu não sabia exatamente o que eu escrevia, eu escrevia coisas”, lembra. O livro acabou tendo boa repercussão, foi discutido, inclusive, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A escritora curitibana Bebeti do Amaral Gurgel afirma que a literatura precisa ser carregada de verdade, mesmo que não seja real. Foto: Divulgação

Depois, o encorajamento veio dos colegas de trabalho. “O [Paulo] Leminski dizia que eu tinha humor e ironia, que era algo não muito comum em textos de mulheres. Na época, era mais comum em homens”, conta. “Trabalhei também com o jornalista Reinaldo Jardim, com o [compositor, cantor e publicitário] Paulo Vítola e o [artista plástico] Rettamozo. Eu tive ótimos chefes e escritores que me incentivaram a escrever, fora a minha família”, relata Bebeti, jornalista formada pela Universidade de Cardiff, no Reino Unido.
Como professora de Português e coordenadora de idioma, viveu por mais de dez anos na Holanda e também morou na Alemanha. De volta ao Brasil, fundou a primeira livraria feminista do país, a Lilith, aqui em Curitiba, e pode perceber um comportamento que considera “horrível”. “É interessante como normalmente os homens não leem muito autoras mulheres. As autoras mulheres são lidas por mulheres, eu sempre achei isso horrível, esse machismo todo que existe no Brasil… A minha livraria não era para mulheres, mas sobre mulheres, e, infelizmente, os homens não compravam. Por exemplo: quem lê Virginia Wolf são mulheres. Está na hora de isso mudar”, faz o convite.

O que te faz escrever?

Sergio Santana, que morreu no dia 10 de maio deste ano, dizia que escrever para ele era angustiante, por isso preferia o conto, assim se livraria logo da angústia. Antes um pouco de morrer, confidenciou à irmã, Sônia, que havia encontrado o prazer em escrever. Não raro, escritores fazem essa relação entre dor e a escrita. Clarice Lispector chegava a comentar que a dor física que sentia só passava após terminar a escrita. Ernest Hemingway dizia que após ter chegado ao ápice de produção literária, iria pescar para se livrar da culpa. Depois voltava e reescrevia seu texto até encontrar a palavra que se encaixa perfeitamente na ideia proposta.

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O último livro publicado por Luiz Manfredini é uma biografia do poeta, jornalista e cronista, Wilson Bueno. Foto: Divulgação

O que é quase um consenso entre os escritores é que escrever é muito mais do que uma inspiração. Pelo contrário: “Transpira-se muito ao escrever, embora haja escritores de produção fácil e rápida. Jorge Amado era um deles”, compara Manfredini. “Eu não tenho um método muito fixo. No geral, quando me vem uma ideia, eu a amadureço na mente. Depois, penso em como colocar isso no papel (uma expressão antiga, essa do papel). Não faço um roteiro completo. Mas tenho que ter claro o rumo geral da narrativa e a formulação mais ou menos precisa dos seus passos iniciais. Depois, quando escrevo, posso alterar tudo isso. E releio o escrito, corrijo, por vezes reescrevo, ou elimino o que se mostra inconveniente”, conta. “Tenho o costume de submeter o texto a um velho amigo no qual confio porque é competente na leitura e inteiramente honesto em suas observações. Depois, também deixo o texto hibernando por alguns meses, para voltar a ele com maior distanciamento”, diz.
Bebeti fala que escreve sobre qualquer coisa, mas tem a sua preferência. “Gosto de uma literatura mais engajada. Escrevo sobre aquilo que eu acredito, uma visão política”, esclarece. A autora escreveu recentemente uma crônica para o Projeto Pensando o Amanhã, com uma reflexão do mundo pós-coronavírus, para o Goethe-Institut. É a única mulher brasileira a participar da iniciativa mundial que conta com artistas de vários locais do planeta.
Sua motivação para escrever não é nem dor nem o prazer. “Eu escrevo de algo que me incomoda: pode ser uma coisa bonita, feia, uma coisa boa ou ruim. É algo que me tira do conforto, que mexe comigo”, diz e arremata: “A literatura passa pelo coração, pela cabeça, pois precisa de técnica também, senão vira uma mera descrição.”
Ela ressalta ainda que a literatura precisa ser carregada de verdade, mesmo que não seja real. “A literatura não tem compromisso com a verdade, isso é História. Mas, é preciso uma verossimilhança. Tudo que eu sei da Rússia, por exemplo, é através da literatura de [Fiodór] Dostoiévski, por exemplo.”
Manfredini conta que sempre escreveu, inclusive nos tempos de chumbo da nossa história. “Mesmo durante a luta clandestina contra a ditadura, escrevi poesia. Era um modo de me expressar sobre o mundo, diante do mundo.” Sobre as motivações para escrever, ele considera que “a escrita é dor e liberdade a um só tempo. “Liberdade porque a escrita me permite me expressar para o mundo, sobre o mundo, sobre a vida e as grandes correntes que a dominam. E dor porque para fazer isso, suo. Sou, neste sentido, muito flaubertiano. Flaubert sofria muito ao escrever, passava manhãs e tardes para resolver um parágrafo. Sinto, de todo modo, uma absoluta necessidade de escrever. Como se a vida só valesse a pena para ser contada. Aliás, o título do primeiro volume da autobiografia de García Márquez (não conseguiu escrever os dois restantes) é, se não me engano, ‘Viver para contá-la’”, relata.
Assim como o romance de García Márquez, Luiz Manfredini adianta que em breve lançará um novo livro: “Estou trabalhando num romance que, imagino, terá grande densidade. Não posso adiantar mais nada. Não é charme, não. É que não sei bem por onde caminhará essa minha nova aventura literária. Tenho, quase pronta, uma coletânea de contos e crônicas, mas que ainda precisa ser engordada”, explica.
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Capa do último livro lançado por Bebeti, que aborda a pichação como uma manifestação de arte e político-social. Foto: Divulgação

Quer se tornar escritor?

Para quem quer aproveitar e abraçar o ofício de escrever, eles dão as dicas:
“Leiam, leiam muito e aprendam com os grandes escritores”, Manfredini orienta e emenda: “Sejam humildes, deixem de lado a vaidade dos circuitos literários, das badalações e bajulações, e suem diante do computador para criar o que desejam, e escrevam e reescrevam e reescrevam.”
Bebeti aconselha ir por esse mesmo caminho. “É difícil escrever das 8 ao meio-dia, como diz Stephen King (aclamado escritor de gênero de horror), mas deve ler bastante, especialmente o que gosta”, salienta, ao indicar a leitura do livro do autor “Sobre a Escrita”. Ela considera ainda que para fazer literatura também é preciso, por mais que seja difícil, incorporar uma rotina: “Tem que escrever todos os dias, igual escovar os dentes.”
Para encontrar obras dos escritores, acesse www.estantevirtual.com.br

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