Coluna Feijão com Arroz: Almoço de domingo

Hoje, não tem receita nesta coluna. Só saudades dos almoços de domingo em família

Arte: Maria Clara Bicalho Patzsch
Arte: Maria Clara Bicalho Patzsch

Por Irma Bicalho
Uns amam, outros detestam. Mas o domingo é um dia especial para os que o veneram e para os que o desprezam. É o início de uma nova semana, a retomada de um ciclo onde tudo pode acontecer.
Alguns vão à missa. Muitos reúnem a família. Mas não gosto de marcar nada aos domingos, pois para mim é um dia preguiçoso. De levantar tarde e simplesmente deixar passar as horas. Almoço? Depois das duas. Com receitas que a gente não come em outros dias, só no domingo. Também é dia de sobremesa, com tempo para ficar sentado à mesa e jogar conversa fora.
Lá na memória tenho um espaço carinhoso para os almoços de domingo. Fecho os olhos e lembro da infância, da mãe e do pai e dos irmãos pequenos. Das visitas anuais que fazíamos aos parentes em Minas. Das idas à casa da Tia Luíza e do Tio Joãozinho, lá no Floramar, perto da Pampulha.
Chegando na casa era uma euforia, gente que não se via há muito tempo. Depois me juntava aos primos e íamos brincar no quintal, enquanto a mãe e a tia preparavam o almoço. O cardápio era fiel: macarronada, frango ensopado, maionese e tutu com ovo cozido e linguiça acebolada. Não combina? E desde quando o cardápio de domingo tem que combinar? Basta ser exagerado. Para beber, Mate Couro e Guaraná Alterosa, refrigerantes locais que marcaram a infância dos mineirinhos. Cerveja para os adultos. E a sobremesa era um capítulo à parte. Nada de pudim, nem sorvete. A sobremesa de domingo era psicodélica e amada por todos: o mosaico de gelatina.
A macarronada era sempre feita com talharim, ao molho de tomate e azeitonas. O frango ensopado era o típico da culinária mineira, com tomate, cebola, colorau e muito alho. O tutu de feijão rosinha e farinha fina de mandioca tinha um segredo: levava ao final do preparo um copinho de cachaça. Para que eu não sei, acho que só pelo sabor. Era coroado com os ovos cozidos cortados ao meio, linguiça fininha frita e muita cebola refogada. A maionese era mineiríssima. Levava batatas, cenouras, vagens e maçã picadinhas. E maionese, claro.
O mosaico de gelatina não era igual ao de hoje em dia, todo durinho. Os quadradinhos coloridos, de todos os sabores, eram envoltos numa calda feita com leite condensado e creme de leite. Só isso. Era como uma sopinha cremosa de cubos de gelatina. A perfeição, simplesmente.
Fora isso, música na vitrola, risada alta, fofoca e briga. Briga entre as crianças para ver quem ficava com a fúrcula, o ossinho do peito do frango, para saber quem ia tirar a sorte e realizar um desejo. Desejos que eram sempre muito nobres: carrinho de rolimã, ferrorama, boneca que batia palma, ir ao Playcenter (que Deus o tenha!).
Ao entardecer, o famoso cafezinho passado no saco e consumido antes de ir para a garrafa térmica. No final do domingo, a tarde mais silenciosa envolvia o abraço das irmãs, que passariam meses sem se ver. As crianças, sujas de terra e cansadas, querendo ficar até o outro dia, entravam no carro chorosas. Pelo vidro traseiro acenávamos tchaus até descer a ladeira e virarmos a rua, perdendo de vista os nossos queridos.
Hoje, não tem receita nesta coluna. Só saudades. Mas fica o convite para ir preparando um almoço especial para o próximo domingo. Um almoço barulhento e perfumado, para guardar na memória ou para reacender alguma lembrança boa, que você tem aí, bem no fundo.


Irma Bicalho é uma das editoras do Curitiba de Graça, jornalista, formada pela PUC-PR, dona de casa, mãe de quatro filhos e tutora de três cachorros e três gatos. Há três anos se formou no curso de Cozinheira do Senac-PR. Desde então tem se dedicado mais a duas de suas grandes paixões: comer e cozinhar.