Animal de estimação se torna personagem de livro

Além do vínculo afetivo, os bichinhos auxiliam em inúmeras funções das atividades humanas

Tina Demarche

Era uma vez… um gato chamado Monet. Pouco depois de nascer ele foi afastado da mãe e deixado com os irmãozinhos em um terreno baldio. Assim como ele, grande número de animais é encontrado com frequência em condições de abandono e maus tratos. Felizmente há, em grande parte das vezes, quem os acolha e dê o lar que merecem.

O vínculo que os bichinhos propiciam não é só afetivo. Muitos são considerados parte da família, têm papel importante nos tratamentos terapêuticos, e também é preciso considerar aqueles que auxiliam na acessibilidade de pessoas com deficiência e em inúmeras outras funções de apoio às atividades humanas.

Dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abrinpet) apontam que o Brasil é o terceiro país com o maior número de animais de estimação: cerca de 139,3 milhões. Traduzindo em miúdos, são 54,2 milhões de cães, 39,8 milhões de aves, 23,9 milhões de gatos, 19,1 milhões de peixes e 2,3 milhões de outras espécies como répteis, anfíbios e pequenos mamíferos.

Monet integra essa estatística. Foi adotado por uma família amorosa, ganhou mais tarde o irmãozinho Nino, e o amor que ele recebe e dá em troca inspirou uma história infantil. “Tudo começou com a adoção de um gatinho. A vida nos oferece as oportunidades e a sabedoria está no acolhimento. É uma alegria compartilhar aqui toda a beleza que a literatura infantil trouxe para minha vida”, afirma Katya Hirata.

Contadora de números e de histórias, a tutora de Monet e de Nino nasceu em São Paulo, foi criada em Porto União (SC), mas mora em Curitiba desde 1993. Se formou em Ciências Contábeis e fez uma pós-graduação em Literatura Infantil e Juvenil. “Tenho experiências incríveis com as crianças, justamente porque elas colocam as histórias em suas vidas”, diz.

Em 2017 publicou Monet e o dia em que tudo mudou! e Monet, por que as abelhas existem? Essas obras contam as vivências do gato. Estreitando seus laços com a escrita, Katya publicou outros livros destinados ao público infantil: Poupança de Palavras, em 2019, que fala da maior riqueza que podemos adquirir, o conhecimento; e em 2021 Vai Passar, uma narrativa visual que representa a trajetória do herói por meio da história de uma nuvem. Katya também trilha os caminhos dos pincéis de aquarela e das notas musicais. Seu instrumento é a harmônica (gaita de boca).

Confira a história de Monet e de Nino, e a trajetória de Katya Hirata pela literatura infantil.

TD – Na sua opinião, o que leva o dono a escrever sobre seu animal de estimação?
KH – Quando um animal de estimação entra para a vida de uma família, invade a casa com a energia do amor. Essa convivência é transformadora. Amamos e somos amados incondicionalmente. Para mim, essa foi a grande inspiração. Monet, meu gato e personagem principal dos meus dois primeiros livros, despertou um amor que nem sabia que existia e deu uma aula de empatia quando acolheu o gatinho Nino. Nino também é um ser de linda luz. Arrebatador de corações.

TD – Na literatura internacional muitas são essas histórias: Dewey, Marley, Bob (*), para citar alguns dos mais famosos. No Brasil, Clarice Lispector deu voz ao cão Ulisses em Quase de Verdade. Marina Colasanti escreveu sobre Meiga, Maribel e Milord em A Amizade Abana o Rabo. O que essas ligações refletem para você?
KH – A palavra diz tudo, ligação, é uma junção de almas. Laços afetivos. Para um escritor, afeto é algo que transborda e acaba virando texto. As artes em geral representam os afetos e desafetos de cada artista.

TD – Você acredita que os animais, sobretudo em histórias que trazem o real para o papel, ajudam as crianças a elaborar melhor as situações do cotidiano ou ainda a entender a importância do cuidado e do respeito a eles?
KH – Sim. Tenho experiências incríveis com as crianças justamente porque elas colocam as histórias em suas vidas. A analogia é imediata. Meu primeiro livro, Monet e o dia em que tudo mudou! fala sobre o conflito que gera a chegada de um irmão. Sobre sentimentos que são humanos, contudo, recriminados, pois não são considerados bonitos, como ciúmes e raiva. Tanto o personagem gato, como as crianças que leram o livro e passaram pela experiência, perceberam que acolher um irmão que chega envolve o mais bonito dos sentimentos, o amor. Depois de ler a história para as crianças costumo perguntar o que elas sentiram e as respostas são imediatas: amor, carinho, fofura. Após a leitura, são esses sentimentos que levam no coração. Isso é mágico. Esse é o poder da literatura.

Desde o lançamento do primeiro livro, tenho recebido vários testemunhos de gatos pretos que foram adotados. Os leitores do Monet jamais irão falar que gato preto dá azar, porque aprenderam que amor não tem cor.

TD – Seu público é infantil. Como foi a descoberta de que você queria escrever para crianças e quando esse processo começou?
KH – De fato não houve essa descoberta, foi algo que aconteceu sem um planejamento. Não tenho filhos, nem sobrinhos. Minha experiência com crianças se deu com meus afilhados e filhos de amigos. Queria que alguém publicasse uma história onde o gato fosse um personagem positivo, pois via de regra, nas histórias, os cães são os heróis e os gatos os vilões ou os preguiçosos. É raro encontrarmos gatos como personagens principais sem que sejam relacionados à esperteza, à criminalidade ou ao cinismo. Considero essa divisão injusta. Em uma conversa informal, contei minha história para um editor e ele sugeriu transformá-la em um livro infantil. Foi assim que em 2017 publiquei meu primeiro livro. Os demais foram consequência da aceitação da primeira história pelo público infantil. Me descobri escritora com a publicação do Monet e o dia em que tudo mudou! Todos os meus livros foram publicados pela Giostri Editora, de São Paulo. Conhecer o Alex Giostri foi um privilégio. Ele foi o grande incentivador para a publicação do meu primeiro livro. Enxergou uma escritora onde havia uma profissional da área de exatas. Desde então apoia e publica meus projetos.

TD – Quem é Monet, personagem de dois de seus livros?
KH – Monet é meu gato mais velho. Foi minha primeira experiência com felinos, sempre tive cachorros. Precisei aprender a lidar com um gato. Não sabia nada sobre esse animal extremamente carinhoso. Por isso passei a achá-los injustiçados nas histórias. A adoção do Monet aconteceu ao acaso, ele estava muito debilitado. A ninhada com três gatinhos foi separada da mãe com menos de um mês. Foram jogados em um terreno baldio à própria sorte. Minha amiga que sempre foi gateira ficou com dois filhotes, duas fêmeas, Amelie e Kiara e, aquele gatinho preto, desmilinguido, sem pelos na cara, aninhou-se em meu colo e dali não saiu mais. Foi uma luta recuperar a saúde dele. Virou meu companheiro de todas as horas. Até hoje dorme comigo. Está com quase oito anos. Olhando superficialmente Monet é um gato preto que foi adotado pela generosidade de um ser humano. Mas de fato, Monet me adotou com toda a generosidade da sua alma, encheu minha vida de alegria e me conectou com a literatura de uma maneira que jamais havia imaginado. Monet é uma elemento de transformação. Transformou minha vida milimetricamente calculada em um leque de possibilidade, de lindas possibilidades. Sou infinitamente mais feliz desde o dia que o encontrei. Quem é mesmo que cuida de quem?

TD – Além de ser a autora da narrativa verbal você também é autora da narrativa visual das suas obras?
KH – Sou a autora dos textos dos três primeiros livros, as ilustrações foram feitas por ilustradores da editora. Meu último livro o Vai Passar é uma narrativa visual que aquarelei. Foi minha primeira experiência como ilustradora.

TD – Os bichinhos de estimação estão em grande número de lares em todo o mundo e isso nos leva a pensar nas relações entre os homens e os animais. Pode-se dizer que essa troca de afeto, esse vínculo e reciprocidade, fazem com que queiramos eternizar a memória de nossos companheirinhos?
KH – Tive a sorte de conviver com vários animais domésticos ao longo da vida. Todos eles deixaram suas patinhas tatuadas em minha alma. Cada um à sua maneira, presenças fortes e amorosas. Meu primeiro amor foi o Duque, um fila amarelo, bem maior que eu na época em que eu tinha 8 anos. Até então, os outros animais eram dos meus pais, mas o Duque era meu, meu amigão. Penso que a missão da jornada nessa vida seja aprender a amar e os animais são grandes mestres nisso. Ter a oportunidade de registrar minha convivência com meus gatos em um livro infantil foi uma grande alegria. Sorte de fato!

TD – Quais são seus outros livros?
KH – Tenho dois títulos com o personagem Monet: o Monet e o dia em que tudo mudou! e Monet por que as abelhas existem? Além desses publiquei o Poupança de Palavras, que fala da confusão que as crianças podem fazer por não entenderem o significado das palavras e, esse ano, lancei o Vai Passar, uma narrativa visual que conta a trajetória de uma nuvem.

TD – Existem planos de continuar as aventuras de Monet?
KH – Tenho um texto praticamente pronto para fechar a trilogia. O título é Monet e o mundo do lado de dentro. Ainda não mandei para a editora. Preciso trabalhar melhor o texto. Esse tempo de pandemia acabou me afastando da escrita.

TD – Algumas escolas adotaram os livros sobre Monet para trabalhos em classe. De que forma isso te gratifica?
KH – Ver professores trabalhando com minhas histórias em sala de aula é o maior presente que a vida me deu. Normalmente as escolas compartilham os resultados e sempre me emociono. As lágrimas de alegria vertem e o coração só pulsa amor.

*Dewey, Um gato entre livros – Vicki Myron; Marley & Eu – John Grogan; Um Gato de Rua Chamado Bob – James Bowen

Ficaram curiosos para conhecer melhor Monet e Nino? Seguem aqui as biografias deles:

Monet, o gato
Nasceu em outubro de 2013, não constam registros da data exata. Se perdeu da mãe quando tinha em torno de 20 dias e nessa época foi adotado. Mora em Curitiba. Atua em tempo integral como acompanhante e cuidador. É dengoso, dramático e carinhoso. Um gato solidário, sempre disposto a estender a pata para quem precisar. Durante o dia gosta de dormir ouvindo música. Além da ração também come rúcula. É um gato sensível.

Nino, o gato
Nasceu em 02/03/16 em uma casa-lar para gatos. Foi adotado quando tinha 45 dias. Mora em Curitiba. Atua como animador do lar, é um comediante nato. É alegre, otimista e destemido. Praticante de esportes radicais, escala as redes que protegem a sacada e as janelas do apartamento pelo menos três vezes ao dia. É maluco por bolinhas de celofane. Imita o Monet com perfeição, tanto que conseguiu ficar da mesma cor. É um gato adorável.

Monet e Nino em um abraço fraterno. Foto: Arquivo Pessoal

QUEM INDICA O QUÊ

Silvia Araújo Bonardi é aposentada. Mora no litoral de Santa Catarina, adora ler, ver seriados e montar puzzles. Ela ama também os animais e tão intensamente que sua indicação não poderia ser outra: A Amizade Abana o Rabo. Na foto com ela, Toffee, um adotado sem raça que recebeu esse nome por ser caramelo, um doce e um grude. Ele é o fiel e querido cãopanheiro!

“Esse livro me marcou inicialmente por ser escrito e ilustrado por Marina Colasanti, a quem admiro. Mas há outro motivo – e mais importante! – que é o tema sobre a amizade e os nossos queridos animais de estimação. Amizade essa que ameniza os nossos momentos difíceis, com proteção e amor, e que enchem de alegrias os nossos dias!!

Os cães são criaturas superiores que vieram para nos ensinar sobre amor, sobre amizade, sobre a importância de cuidarmos de quem nos conquistou, seja humano ou animal. A história é sobre a amizade entre três cachorros e as pessoas que os amaram e entenderam, ajudando-os a transformar uma quase tragédia num ato de amor! Recomendo a leitura dessa bela história!”

EU INDICO

Uma Gata no Coração, de Roseana Murray. Babel, como Monet, Nino e o cachorro Toffee, se instalou na casa, no coração e na vida de sua dona. O livro aborda a perda e a superação, já que depois de alguns anos de convívio, Babel desapareceu. Foi morar na Via-Láctea, piscando os olhos e fabricando estrelas. Com ilustrações de Caó Cruz Alvez, a obra é de 2011, publicada pela Editora Amarilys.

 


Tina Demarche é jornalista, apaixonada por literatura infantil e metida a escritora. Também gosta de crianças, animais e plantas. Sonha com um mundo sem fronteiras, como o mundo da imaginação. E-mail de contato: tinademarche@yahoo.com.br

 

 

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