Segunda parte traz longa-metragem de cineasta premiado, suspense e animação
Por Márcio L. Santos
Chegou a hora da segunda parte dos melhores filmes que estrearam no serviço Netflix neste ano. Na primeira parte (se você não leu, clique AQUI), tivemos dramas e aventuras e, agora, você pode conferir o último do mestre Spike Lee, uma animação cheia de emoção e um suspense repleto de conspirações, mas assustadoramente real.
DESTACAMENTO BLOOD
Spike Lee
2020
★★★★
Depois do magnífico Infiltrado na Klan, Spike Lee encara o desafio de uma fábula militarista sobre o passado, a culpa, a ganância e a loucura.
Destacamento Blood coloca cinco veteranos negros da Guerra do Vietnam de volta ao país em busca de um tesouro perdido e do corpo de um colega morto em combate. Setentões, os amigos partem em um busca de um acerto de contas com sua própria história – e com a história do negro americano não apenas nas guerras modernas, mas na sociedade em que habitam.
Destacamento Blood atira em diversas direções, nem sempre acertando todas. Os inserts sobre o momento atual, do Black Lives Matter, soam como colocações de última hora. Da mesma forma, há alguns arcos que soam bem desnecessários, como o da ONG que procura por minas terrestres. Por outro lado, Spike Lee é certeiro em mostrar a reparação pedida por seus personagens não é um exagero. O “ouro” que eles exigem é apenas uma parcela de tudo que lhes foi tirado ao longo da história – e a forma como isso lhes é roubado apenas mostra que essa é uma batalha quase sempre ingrata.
É uma obra que merece toda a admiração – senão pelo seu contexto atualíssimos mas principalmente pela atuação de Delroy Lindo, um ator sempre interessante que traz aqui o momento de sua vida. Seu personagem é de uma complexidade extrema e Lindo consegue traduzir isso com uma força e uma pujança inimagináveis – desviando mesmo de certas armadilhas do roteiro – culminando em um monólogo daqueles de se aplaudir ao fim [se estivéssemos em um sala de cinema].
Relevante, atual e deliciosamente irregular, Destacamento Blood é mais um exemplar do cinema de um autor que mescla com genialidade sua maturidade técnica com a necessidade de discutir temas que lhe são demasiadamente caros – e que faz isso com obras tão acessíveis quanto marcantes.
REDE DE ÓDIO
Jan Komasa
2020
★★★★
Filme absolutamente atual e relevante, Rede de Ódio traz a história de um jovem [Maciej Musiałowski] que após ser expulso da faculdade começa a trabalhar em uma agência especializada tanto na construção como na destruição de reputações nas redes virtuais. Um gabinete do ódio em alto estilo.
Mais do que exemplificar de forma bem clara o funcionamento destas operações realizadas com planejamento e objetivos, o filme também estabelece um olhar apurado sobre as pessoas envolvidas. Se de um lado temos o jovem ressentido e com evidentes sinais de psicopatia que descobre nesta nova função uma forma de canalizar o seu ódio sobre aqueles que [supostamente] o desprezam, o filme também mostra o que sentem e como são ‘recrutados’ aqueles que se tornam peões dentro de uma guerra suja pautada por conceitos tão anacrônicos quanto perigosos.
De certa forma, a trama sobre o jovem Tomasz [numa criação surpreendente de Maciej Musiałowski, um estudo de personagem fascinante] acaba funcionando como pano de fundo para os temas dos quais o filme trata: o ódio desenfreado, a xenofobia, o preconceito, o fascismo, o totalitarismo, a pandemia de fake news que repele a ciência e o bom senso. Não é por acaso que, à medida que ao filme avança, Tomasz cada vez mais lembra um oficial da SS Nazista, numa provocação tão óbvia quanto verdadeira.
Contundente e com uma conclusão avassaladora, Rede de Ódio é um filme no mínimo obrigatório para quem quiser compreender onde estamos e porque chegamos até aqui.
A CAMINHO DA LUA
Glen Keane
2020
★★★½
A Caminho da Lua é uma pequena pérola da Netflix dirigida por Glen Keane – veterano da Disney de filmes como A Pequena Sereia, Aladdin e Tarzan – com uma sensibilidade toda especial ao contar a história da jovem Fei Fei que, após a morte da mãe, precisa lidar com o luto e com a possibilidade de seu pai encontrar um novo amor. Para suportar tudo isso, ela se apoia na lenda chinesa de Chang’e, deusa imortal que vive na Lua e aguarda o retorno de seu amado.
A Caminho da Lua traz elementos tradicionais da filmografia da Pixar – é impossível não lembrar, inclusive, do ótimo Coco: um retrato bem realista da adolescência e suas vicissitudes, um registro carinhoso de estruturas familiares, um reino mágico repleto de cores e luzes e uma busca por um objeto/pessoa/local que pode não ser exatamente o que aparenta ser.
Essa falta de originalidade – há até um Bing Bong de DivertidaMente – incomoda um pouco, tirando um pouco da magia que a história carrega, mas faz com que o filme transite de forma fluida em um terreno que o aproxima ainda mais de seu público-alvo.
O filme traça um paralelo emocionante entre a história da jovem Fei Fei e da deusa Chang’e: ambas sofrem com a ausência da pessoa amada e precisam aprender a seguir em frente. É um filme que lida com o amor, a perda e o desapego: é preciso reconhecer que as ausências fazem parte de nossa história e que precisamos abrir os olhos para aqueles que ainda ficam ao nosso lado.
Visualmente gracioso e colorido e esfuziante e com números musicais deliciosos [a primeira aparição de Chag’e é um achado] – e graças a Deus fugindo do estereótipo de criaturas engraçadinhas da Dreamworks – A Caminho da Lua compensa a trama de ares reconhecíveis com uma delicadeza de olhares, uma atmosfera reconfortante e uma emoção palpável e autêntica capaz de levar o espectador facilmente às lágrimas.
Márcio L. Santos é jornalista, apaixonado por Star Wars, A Mosca e Os Simpsons. Costuma ver pelo menos um filme ou um episódio de série por dia e faz às vezes de crítico de cinema nas horas vagas, já tendo atuado na 91 Rádio Rock, CBN, Portal Pipoca Moderna. Atualmente colabora com o canal de Youtube Realidade Fantástica, no qual analisa diversas obras clássicas do cinema.