Oficina começou como um pequeno evento para trazer o espírito de antigos festivais e se tornou um dos eventos brasileiros mais duradouros da área musical
Era o dia 3 de janeiro de 1983 quando o Solar do Barão foi palco da primeira edição da Oficina de Música de Curitiba. Com o passar desses 37 anos, os espaços dedicados a aulas, concertos e shows se multiplicaram, o universo de alunos foi ampliado de músicos profissionais para a comunidade e a plateia passou a ser um dos seus mais importantes componentes.
A primeira edição teve pouco mais de dez cursos e cerca de cem alunos inscritos (hoje, por exemplo, são 73 cursos e mais de 2 mil inscritos). Entre os professores, estavam profissionais como Hélder Parente (flauta doce e música antiga), Hans-Joachin Koellreutter (estética e composição coletiva), Myrna Herzog Feldman (viola da gamba), Sebastião Tapajós (violão), Roberto de Regina (cravo), Paulo Bosísio (música de câmara, violoncelo e viola) e a jovem Mara Campos (regência de coral), que até hoje participa do evento.
“Cheguei pelas mãos de Henrique Morozowicz, que me convidou para dar aula na 1ª Oficina quando estive em Curitiba para um Encontro de Coros Universitários. Eu, que já conhecia a obra dele, a partir daí tive a honra de me tornar sua amiga e, de tanto que vou a essa cidade, uma paulistana praticamente curitibana”, conta Mara Campos.
Como tudo começou
Uma conversa informal e saudades de antigos eventos foram o ponto inicial da Oficina de Música de Curitiba. No final de 1982, a mentora da Camerata Antiqua de Curitiba (CAC), Ingrid Seraphim, e a então diretora executiva da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Lúcia Camargo, falecida em julho passado tiveram a ideia de trazer de volta o espírito de antigos festivais e cursos internacionais de música que movimentavam a cidade nas décadas de 60 e 70, sempre em janeiro.
O evento foi organizado pela Fundação Cultural de Curitiba e teve o apoio da Prefeitura de Curitiba, além dos primeiros patrocinadores: o Goethe-Institut Curitiba e a editora e distribuidora musical Schott & Musas.
De início, as aulas eram voltadas para a música antiga e os integrantes da CAC e os alunos demonstrariam o resultado do aprendizado por meio de performances abertas aos demais participantes do evento. Mas, a partir da segunda edição, a MPB começou a ter espaço. Foi ideia de Ingrid Seraphim, musicista de formação erudita, convidar o maestro Gaya para lecionar Ritmos Brasileiros (pesquisa, execução e análise). Padre Penalva também participou da segunda Oficina, ministrando o curso de Música Contemporânea e Composição.
A essa altura, a mentora do evento contou com o suporte da filha e já musicista profissional Elisabeth Seraphim Prosser no processo de organização. Anos mais tarde, no final da década de 90, ela foi uma das idealizadoras dos Simpósios Latino-americanos de Musicologia, frutos da percepção dos organizadores sobre a crescente participação de alunos de outros países latino-americanos e da diversidade sonora e cultural que eles traziam para o evento.
A variedade de gêneros e público – vindo de diversos estados brasileiros e a seguir da América Latina e da Europa – desde cedo ficou evidente na oficina. “Sempre houve muita clareza sobre as origens dos alunos, de suas linguagens musicais e procedências, e como isso deveria estar refletido no que a oficina deveria oferecer”, observa Elisabeth Prosser.
Com o passar dos anos, o público foi se abrindo, chegando cada vez mais na comunidade e não somente músicos. “É interesse observar como a Oficina manteve o foco inicial, de investir no aprimoramento das carreiras dos músicos e, ao mesmo tempo, se abrir cada vez mais para o cidadão comum, seja por meio de cursos e da formação de plateia”, destaca Mara Campos. “Desde cedo a Oficina mostrou essa qualidade de não se limitar apenas às salas de concerto e sair para outros espaços, abrindo-se ao público”, completa.
Hoje, a oficina ainda abre espaço também para cantores e instrumentistas novos que se dedicam a outros gêneros musicais além de música erudita e MPB, em horários exclusivos de apresentações. É o caso das performances com hora marcada, em diferentes horários, do Circuito Off e da Jazztronômica.
Indo além da música, o meio ambiente é um tema que também entrou na programação, com a inclusão da Oficina Verde, que oferece cursos gratuitos voltados à sustentabilidade desde 2010.
Guarda-chuva de iniciativas
Mais recentemente, a oficina vem se pautando por levar o aprendizado da música para quem percebe e aprende música de outras formas. É o caso dos cegos, contemplados com cursos e performances de palco a partir da edição anterior, e dos surdos e dos autistas, que em 2021 passam a fazer parte da grade de programação coordenada pelo violinista e professor com baixa visão Luiz Amorim.
Segundo Elisabeth Prosser, o Oficina de Música de Curitiba cada vez mais se torna um guarda-chuva de diversas ações. “É sob ele que se aloja, entre tantas outras iniciativas, um ambiente de formação de músicos que vão ser professores e, desta forma, agentes de inclusão social por meio da música. Não são raros os que se tornam agentes de promoção social por meio da sua arte”, aponta a musicista, se referindo aos músicos que, formados nas oficinas, escolhem dar aulas em projetos sociais.
VEJA TAMBÉM: Oficina de Música: Grandes nomes da MPB participam de conversas ao vivo
Mara Campos concorda com essa ideia e credita às Oficinas de Música de Curitiba o surgimento de propostas bem-sucedidas, como os projetos Nosso Canto e MusicaR, de musicalização de adultos e de crianças e adolescentes respectivamente, a partir de cursos oferecidos nas Administrações Regionais.
“É o espírito que norteia o evento desde o início, é o seu olhar social, inclusivo, trazendo o público para aplaudir um espetáculo – muitas vezes – pela primeira vez. Isso é transformador”, argumenta.
Entre instrumentos, baldes e vassouras
Hoje, a Oficina de Música de Curitiba é um dos mais duradouros eventos do calendário nacional do segmento, com uma grande organização, centenas cursos, milhares de pessoas inscritas em diversos espaços culturais da cidade.
Mas, a organização da primeira edição foi bem diferente e precisou de ajuda, inclusive, dos participantes dos cursos. As atividades aconteceram na Sala da Música e nos espaços externos do Solar do Barão, que ainda não estava totalmente recuperado para funcionar como espaço cultural.
“Muitos de nós varremos, lavamos e fizemos o que foi preciso para deixar o Solar em ordem para a primeira edição da Oficina. Era muita vontade de fazê-la acontecer”, recorda a flautista e integrante do Conjunto Renascentista Janete Andrade. hoje coordenadora-geral da Oficina de Música de Curitiba.
O encerramento da primeira edição aconteceu na Catedral de Curitiba, no dia 15 de janeiro de 1983, com um concerto para coro e orquestra. “Foi muito engraçado porque tivemos, por exemplo, autoridades tocando chocalho na Sinfonia dos Brinquedos”, conta Janete, referindo-se à composição de autoria imprecisa e que mistura orquestra sinfônica com brinquedos sonoros.
O então prefeito Jaime Lerner e a incentivadora da Oficina de Música, Lúcia Camargo, estiveram entre os convidados a participar da atividade, cuja proposta era fazer personalidades que nunca estudaram música acompanhassem a orquestra. Detalhes dessa performance estão no livro “Curitiba & Música”, nos Acordes da Fundação Cultural, das historiadoras Aparecida Vaz da Silva Bahls e Lilia Maria da Silva.
Você sabia que o Curitiba de Graça é um veículo feito por jornalistas e é independente? Para continuarmos fazendo nosso trabalho de difusão da cultura precisamos do seu apoio. Veja como colaborar AQUI.