Conheça a trajetória de Sonia Maria Chaves Haracemiv, que sempre foi mais do que professora, mas uma ativista da alfabetização adultos
Por Alexandra F. M. Ribeiro e Alboni. M. D. P. Vieira
Sonia Maria Chaves Haracemiv nasceu em 6 de novembro de 1950, no Rio de Janeiro, e foi escolhida para integrar a coluna “Mulheres Paranaenses” devido a toda sua dedicação à Educação de Jovens e Adultos no Paraná. Em entrevista, contou-nos:
Sou paranaense de corpo, alma e de coração. Minhas duas filhas e meus netos nasceram aqui, mas tenho raízes no Rio. É só cair uma colher no chão que eu já estou sambando. Adoro ver carnaval e acho que aquele que não viu um desfile na Sapucaí não assistiu ao maior espetáculo da terra. (HARACEMIV, 2020).
Sua mãe era “dona de casa”, seu pai foi da Marinha Mercante e integrante da Coluna Prestes. Referindo ao posicionamento político de seu pai, ela sorrindo falou: “a fruta nunca cai longe do pé, não havia possibilidade de eu ser muito diferente do que sou”. Nas palavras de Sonia:
[…] sempre fui muito ativista, muito militante, no sentido de tentar conscientizar as pessoas de seus direitos. As pessoas não gostam de polemizar, mas sempre procuro fazê-las buscar quais são as dimensões contextuais que nos levam a ter que fazer as coisas da maneira como uma determinada pessoa ou um grupo quer. Procuro questionar: será que esse grupo não pode dialogar conosco? (HARACEMIV, 2020).
Seu engajamento político nas questões ligadas à Educação de Jovens Adultos colocou-a como integrante do Fórum Paranaense do EJA; Fórum Brasileiro EJA; ENEJA; EREJA; e da Secretaria Executiva da APP-Sindicato. Ela explica que não gosta de ficar fora desses movimentos, pois “esse engajamento faz com que lutemos com mais garra, com mais conhecimento nessa luta em que estamos, com a Educação de Jovens Adultos, há anos” (HARACEMIV, 2020).
Sua formação educacional perpassou por uma instituição dirigida por freiras, denominada Nossa Senhora das Dores, entre os anos de 1958 e 1966; e pela formação científica feita no tradicional Colégio Dom Pedro II, entre os anos de 1966 e 1969. A família mudou-se para Curitiba no ano de 1969 e Sonia ingressou no curso de Licenciatura e Bacharelado em Química no ano de 1970, na PUCPR.
Seu trabalho com a Educação de Jovens e Adultos teve início na década de 70, do século XX. Sonia foi trabalhar no projeto federal intitulado Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral, que objetivava erradicar o analfabetismo no Brasil. Ela dava as aulas entre as 7 e 9 horas da manhã, para um número de 20 trabalhadores que faziam a pavimentação do bairro São Francisco, em Curitiba.
Em uma de suas aulas, deveria trabalhar com a palavra comida, entretanto o material que ela havia recebido não a agradou, o que a fez encontrar outras possibilidades. Em suas palavras: “Eu não gostei do cartaz, amassei e coloquei no lixo”. Sonia considera que essa atitude não foi correta, “agi errado”, diz ela. Sonia procurou um material que estivesse mais alinhado à realidade daquele grupo e com segurança informou: “Vamos falar de comida, por favor abram suas marmitas, me contem o que tem dentro delas e a forma como vocês se organizam”.
Sonia nos contou a fala de alguns operários que marcaram sua lembrança. Um deles disse: “Dona, no começo do mês a mistura é forte, mas no final do mês a mistura é fraca; no começo do mês sempre tem uma carninha com ovo – uma coisinha melhor, mas no final do mês é talo de couve mesmo”. Já outro continuou: “Para mim tem que ter farinha e gordura, pois sem farinha e gordura, que alimento pode ter uma pobre criatura?” Sonia explicou que eram alimentos ricos em energia e necessários para o trabalho pesado que eles desenvolviam. Dessa maneira, a alfabetização se dava por meio do conhecimento da realidade por eles vivenciada. Ela percebeu que os operários ficaram bastante contentes com a aula, mas seu trabalho com esse grupo foi interrompido.
Na manhã seguinte, recebeu a visita dos “homens engravatados” do DOPS¹, questionando-a acerca do material enviado e sobre o trabalho que ela estava desempenhando com o grupo. A visita resultou em sua transferência para um local que impossibilitou sua permanência no projeto, assim como seu “fichamento” no DOPS, o que dificultou seu ingresso em outras instituições.
As dificuldades não a impediram de prosseguir em seu trabalho e logo deu início às suas atividades como concursada da prefeitura e do Estado. Sua trajetória como concursada da Prefeitura Municipal de Curitiba teve início no ano de 1978, como professora de 1.ª a 4.ª série. Ela contou que nos anos finais de 1970, ela era uma das poucas professoras que tinha carro, logo, o veículo servia como utilitário da comunidade, pois buscava merenda ou levava pessoas para atendimento no hospital e seu carro “parecia uma ambulância”. Como funcionária do estado do Paraná, carreira iniciada no ano de 1980, Sonia era Orientadora de Aprendizagem das disciplinas de Química, Física, Matemática e Biologia, para alunos que cursavam o Ensino Supletivo. Além de sua atuação em sala com a Educação de Jovens e Adultos, no ano de 1983, Sonia concluiu sua Especialização na Formação de Androgogos pela PUCPR e entre os anos de 1984 e 1986 foi Diretora de Ensino da Educação de Jovens e Adultos, apoiando a implementação do programa de Habilitação do Professor não Titulado (HAPRONT).
Sua preocupação e seu trabalho com a educação de jovens adultos são contínuos, mas não solitários. No ano de 1986, Sonia ingressou como docente na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Deu continuidade em sua formação recebendo o título de Mestre em Educação pela UFSC, entre os anos 1989 e 1994; Doutora em História e Filosofia da Educação pela PUC-SP, entre os anos 1997 e 2002; e Pós-Doutora em Avaliação e Currículo na UNIRIO. Como docente na UFPR, pode disseminar, para seus alunos, sua paixão e seus conhecimentos pela alfabetização.
Atualmente, Sonia é professora da UFPR, do Setor de Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação. Diante das diversas pesquisas que já orientou, Sonia fez questão de comentar algumas e explicou a importância da sua relação com seus colegas, alunos e orientandos. Em suas palavras: “Nos construímos na relação com os outros. Nós apreendemos juntos”.
Sonia relembrou do projeto desenvolvido em parceria com Eleonor para alfabetizar os funcionários que trabalhavam na Universidade. Falou da pesquisa desenvolvida na Estrada da Boiadeira, em parceria com suas orientandas Izabel e Liane, na qual alfabetizavam trabalhadores da pavimentação asfáltica, os chamados “órfãos da estrada”. Referiu o projeto no qual, em parceria com sua orientanda Cieneiva, trabalhou a alfabetização tecnológica da comunidade. Narrou sobre sua parceria, desde de o ano de 2000, com Ana, com quem pesquisa questões ligadas as práticas pedagógicas e formação do professor do EJA. Contou da passagem em que em uma Colônia de pescadores, ela e Izabel deixaram de lado os aparatos tecnológicos para ouvir as demandas da comunidade. Relatou que as reclamações, que lhe renderam três páginas de caderno, resultaram em um documento em que direcionava os pescadores para os órgãos responsáveis para os quais eles deveriam abrir suas queixas. Sonia explica que o pesquisador precisa saber da importância de sua pesquisa e promover o retorno social de seu conhecimento e uma das formas “[…] é levar para quem precisa a garantia de direitos” (HARACEMIV, 2020).
Sonia dedica sua inquietação com a garantia de direitos, em específico a educação, também para aqueles que estão em situação de cárcere. Ela esclareceu que essas pessoas “estão privadas do ir e vir, mas não estão privada de sonhar” e nos narrou alguns projetos desenvolvidos em parcerias. Dentre eles, relembrou o que falava da invisibilidade do socioeducando e garantia de direitos; falou da importância do trabalho de pedagogia no cárcere desenvolvido pela professora de escola prisional, Sandra Duarte; contou da linda pesquisa em que sua orientanda pesquisou o ensino religioso na EJA e que discutiu questões acerca da vida e da morte e a relação com a poesia. Sonia enfatizou o projeto no qual trabalhou com Cineiva e Maria Tereza, iniciado em 2012, intitulado Vozes do Cárcere, em que procurava identificar quem eram; quais as trajetórias pessoais e escolares; e como as tecnologias haviam contribuído para a vida no crime. As pesquisas trabalhando a relação EJA e o sistema prisional foram várias e os nomes de inúmeros orientandas e orientados foram citados com muito orgulho.
Sonia se intitula Freireana e cita: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo” (PAULO FREIRE). Ela considera que ao longo dos anos não viu grandes mudanças na sociedade, mas se orgulha de ver suas alunas e alunos ocupando posições sociais com consciência. “Orgulho-me, fico feliz, sinto-me realizada, acredito que é o maior prêmio que podemos ter como docente” (HARACEMIV, 2020).
Sonia inspirou muitos daqueles que ela orientou e alguns puderam relatar seu sentimento acerca da professora. Sua ex-aluna Vanisse expôs: “Parceiraça, topa tudo, viajar, escrever, pesquisar, apresentar, produzir. Profe Sonia é furacão e coração. Cada aluna e aluno são únicos para ela. […]. Ela é um exemplo de mulher, profissional, pesquisadora, formadora e atuante” (CORRÊA, 2020).
Para Izabel: “Conviver e trabalhar com a Prof.ª Sonia é uma oportunidade única de desfrutar do seu profundo conhecimento, alegria de viver e de uma parceria fraterna, rara nos dias atuais”(LIVISKI, 2020). Na visão de Nivia: “Seus ensinamentos são para além de conteúdos curriculares. Eles perpassam pela minha constituição como pessoa e pesquisadora em Educação, chamando-nos à responsabilidade de nossa missão” (CAMARGO, 2020). Depoimentos que expressam que a narrativa de Sonia se transforma em ações e práticas que refletem nas trajetórias das pessoas que com ela se relacionam.
¹Criado em 30 de dezembro de 1924, Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), foi um órgão do governo brasileiro utilizado principalmente durante o Estado Novo e mais tarde na Ditadura Militar.
Agradecimentos à Izabel Liviski; Vanisse Simone Alves Corrêa; e Nivia Moreira de Camargo, que gentilmente concederam relatos acerca de suas relações com a professora Sonia Maria Chaves Haracemiv.
Para saber mais
- HARACEMIV, Sonia Maria Chaves. Entrevista concedida em 30 de setembro. Curitiba: 2020.
FRAGOSO, Rogério Soares; HARACEMIV, Sonia Maria Chaves. Educando do Projovem Urbano: de passageiro da esperança a dono da voz..1. ed. Curitiba: APPRIS, 2020. v. 300. 115p . - HARACEMIV, Sonia Maria Chaves; LIVISKI, Izabel. C.; MORAES, P. R. B. (Orgs.). Olhares e vozes do cárcere: exposição fotográfica. 1 ed. Curitiba: Interativa, 2016.
- SOEK, Ana Maria; HARACEMIV, Sonia Maria Chaves; GUÉRIOS, Ettiène; SILVA, Larissa Barbosa Luiz Rodrigues da. Contribuições das pesquisas sobre tecnologias e formação docente no campo da EJA. PERSPECTIVA (UFSC) (ONLINE), v. 38, p. 1-25-25, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-795X.2020.e66057
- TONO, Cineiva Campoli Paulino; GOMES, Maria Tereza Uille Gomes; BOERNGEN-LACERDA, Roseli; HARACEMIV, Sonia Maria Chaves (Orgs.). Vozes do cárcere: paz e prevenção ao uso de drogas nos caminhos das assistências educacional e religiosa. 1.ed. Curitiba: CRV, 2018. v. II. 326p .
- TONO, Cineiva Campoli Paulino; GOMES, Maria Tereza Uille Gomes; HARACEMIV, Sonia Maria Chaves (Orgs.). Vozes do cárcere: paz e não violência: em busca de um novo modelo de gestão. 1.ed. Curitiba: CRV, 2015. v. II. 328p .
- TONO, Cineiva Campoli Paulino; Freitas, Maria do Carmo Duarte; HARACEMIV, Sonia Maria Chaves (Orgs.). Informática para o Desenvolvimento Humano. 2. ed. Curitiba: CRV, 2013. v. 1. 306p
Alexandra F. M. Ribeiro é doutoranda e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais e Alboni. M. D. P. Vieira é doutora e mestre em Educação – Linha de Pesquisa História, Memória e Políticas Educacionais.
Parabéns pelo seu trabalho Sonia…