Santo católico é padroeiro de três escolas de samba brasileiras
Carlos Mariano Filho
Dia 23 de abril é dia de celebrar e festejar São Jorge. Todos os anos e em todos os cantos do país, vemos as igrejas de São Jorge lotadas de fiéis para cultuarem, celebrarem e pagarem promessas para o santo guerreiro. Por ser o santo mais popular no Rio de Janeiro, é obvio que São Jorge teria uma relação enorme com as escolas de samba.
Estácio de Sá, herdeira da Deixa Falar, primeira escola de samba do Brasil, Império Serrano e a Unidos de Padre Miguel têm São Jorge como seus padroeiros. As escolas de samba, produtos da cultura afro-brasileira, historicamente se aproximaram do santo católico, seguindo, talvez, uma tradição vinda ainda do tempo da escravidão negra no Brasil – uma estratégia de dissimulação contra a opressão colonizadora branca católica. São Jorge equivale a Ogum, orixá do panteão das religiões de matrizes africanas. Essa aproximação, e não a fusão dos elementos da religião católica com as de matrizes africanas no Brasil, seria uma demonstração de respeito que os negros, assim como outros povos, tiveram com a cultura daqueles que os conquistaram. Essa estratégia dos negros deu certo: eles nunca deixaram de cultuar seus orixás.
São Jorge já foi tema e citado várias vezes nos enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro ao longo de sua história. Vou destacar aqui dois enredos recentes que geraram sambas muito bonitos.
O primeiro é o samba de 2007 do Império da Tijuca, escola do morro da Formiga: “São Jorge o Intrépido Santo Guerreiro”. O enredo, como o próprio nome diz, ressalta o lado destemido e guerreiro do cavalheiro da Capadócia. Desenvolvido pelo carnavalesco Sandro Gomes, o samba é de autoria de um único compositor, o Bola, algo raríssimo nos dias de hoje, tempos de disputa mercantilizada de samba-enredo. O lindíssimo samba de Bola narra, em sua fase inicial, a saga de São de Jorge como cavalheiro do Império Romano. As estrofes do samba descrevem, com muita emoção e lirismo, a devoção do cavalheiro à religião cristã e a perseguição do imperador Diocleciano, responsável por sua execução. O samba termina com a lembrança que o popularíssimo santo é também o padroeiro do Esporte Clube Corinthians, que tem a segunda maior torcida de clube de futebol do país.
Em 2016, a escola de samba mais antiga do Brasil, a nossa amada Estácio de Sá, também fez uma esplendorosa homenagem ao santo guerreiro. “Salve Jorge! O Guerreiro da Fé” foi desenvolvido pelo consagrado e talentoso carnavalesco Chico Espinoza em parceria com Amauri Santos e Tarcísio Zanon, atual carnavalesco campeão do carnaval carioca pela Viradouro. O belo samba-enredo interpretado pela dupla de vozes consagrada Vander Pires e Dominguinhos do Estácio levou a assinatura de um luxuoso condomínio de compositores: Edson Marinho, Adilson Alves, JB, Jorge Xavier e André Félix Salviano.
“Estou vestido com as armas de Jorge
Meus inimigos não vão me alcançar
Tu és bondade pelo mundo inteiro
Santo padroeiro igual não há”
Esse comovente refrão do samba do Estácio de Sá retrata a devoção do povo perante o seu santo predileto. Mostra também a identidade guerreira do povo brasileiro em não desistir nunca das batalhas inglórias do penoso dia a dia. Para os estacianos, entoar o lindo samba na avenida teve um tempero de emoção a mais porque São Jorge é o padroeiro da escola. Infelizmente a Estácio não teve uma boa colocação no desfile e acabou sendo rebaixada para a série A. Mas, pouco importou: o importante foi a emoção causada pelo desfile e, principalmente, o samba da escola, que mostrou, com muita sensibilidade artística e poética, a simbiose entre o profano e o sagrado. Coisa que as escolas de samba sabem fazer muito bem.
Salve, Jorge!
Carlos Mariano Filho, mais conhecido por professor Mariano, é historiador, professor de História, Sociologia e Filosofia da Rede Pública do Rio de Janeiro. Pesquisador de escola de samba desde 2000, sua primeira lembrança de encantamento do carnaval foi, ao ver na casa da sua tia Ana (uma espécie de camarim de desfile de carnaval), o ritual de preparação das baianas da Vila Isabel, com suas saias rodadas, miçangas e devoção à arte de rodar
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