Vamos falar de filmes: Lançamentos nos streamings e cinemas que vale a pena assistir

Filmes ótimos com artistas conhecidos estão chegando ao Brasil

Por Márcio L. Santos
Nada como uma ótima atuação para elevar a sua satisfação com um filme. Recentemente, por conta do período de premiações e compensando o atraso de lançamentos do ano passado devido a Covid-19, várias obras de artistas conhecidos estão chegando tanto ao cinema como aos serviços de streaming. Vamos conferir alguns deles?

PIECES OF A WOMAN 
Disponível na Netflix
Direção: Kornél Mundruczó
2021
★★★½

A já famosa primeira meia hora deste filme dirigido por Kornél Mundruczó, do excelente White God, é um soco no estômago, um plano sequência que se inicia da forma mais prosaica do mundo e termina com um baque contundente que vai fundo na alma.
O que temos aqui é uma transição que sai do entusiasmo, passa pela apreensão, pelo desespero até desembocar no mais belo êxtase experimentado por uma mulher – até se revelar um pesadelo de peso insustentável. Essa sequência é fundamental para que possamos compreender o quanto este luto é algo particular e íntimo de Martha, a personagem vivida com toda a sensibilidade do mundo por Vanessa Kirby e sua beleza clássica.
Que fique claro: não há fórmula para lidarmos com o luto. Cada um o vive e o suporta da forma que lhe parecer mais viável naquele momento em que o chão se abre para um abismo sem fim. E o que temos aqui é justamente o embate entre a dor inominável de Martha e uma certa racionalidade que sua família tenta impor a esse momento: não basta apenas compreender que a expectativa de uma nova vida se foi, é preciso buscar razões, motivos, culpados, para que tudo não soe como uma simples brincadeira do destino.
O filme trabalha esse calvário de forma com uma certa irregularidade. Ao mesmo tempo que temos metáforas conceituais tão óbvias – ainda que eficientes, como as sementes da maçã – temos elementos visuais perfeitos, como a ponte que marca a passagem de tempo e demonstra, entre outras coisas, o processo de reconstrução e ressignificação da protagonista.
Em um elenco notoriamente brilhante – no qual até Shia Labeouf funciona, como um sujeito incapaz de compreender e lidar com seu próprio sofrimento – o destaque vai para a veterana Ellen Burstyn, que ganha do diretor e da roteirista um belíssimo monólogo digno de Oscar, no qual mostra como ele também aprendeu a lidar com sua própria adversidade – e que, ao mesmo tempo, mostra como sua cobrança em relação à filha é algo próximo do mesquinho, por esperar dela uma resignação e uma assertividade que não chega de forma automática.
Por isso tudo, é uma pena que em seu terço final o filme se entregue a soluções meio desonestas – a saída do marido de Martha é vergonhosa – e uma conclusão pra lá de convencional, com direito até a discurso no tribunal, entre outras coisas. Ainda assim, o filme fecha num arco bem delineado, mostrando que tudo vai e vem em seu ritmo natural, e que, apesar da dor que jamais deixará de existir, é possível seguir em frente, se adaptar a novas realidades [o olhar entre mãe e filha na lanchonete] e construir novas pontes para destinos inesperados.

RELATOS DO MUNDO 
Disponível na Netflix
Direção: Paul Greengrass
2020
★★★★


 
Há algo de antiquado, clássico, até convencional e – por que não – previsível na trajetória do capitão Jefferson Kidd [Tom Hanks] com a jovem Johanna [Helena Zengel] pelas pradarias do oeste americano em busca de um porto seguro.
Mas o filme dirigido por Paul Greengrass, baseado no livro de Paulette Jiles, é muito do que um simples road movie em que duas pessoas diferentes percebem as similaridades que tem entre si.
Hanks – mais uma vez em pleno domínio de sua arte e capaz de transmitir todas as emoções do mundo com um olhar, uma pausa – faz aqui um personagem cuja missão é tão nobre quanto desafiadora: levar as ‘notícias do mundo’ à cidades afastadas de qualquer centro urbano, muitas vezes povoadas por pessoas que sequer conhecem o significado de palavras no papel.
É emblemático que o personagem de Hanks escolha exatamente o que vai ler de acordo com a comunidade em que chega: não é um trabalho frio e automático, ele é o contador de histórias que traz consciência, medo, alegria a seu público. Não há como deixar de perceber que, mesmo que passado em 1870, o filme traz ecos de uma realidade evidente para os dias de hoje. Kidd busca ampliar a visão de mundo dessas pessoas, que percebam que fazem parte de algo muito maior, que fazem parte de um mundo que precisa se conhecer para ir em frente. Quando ele deixa de noticiar as fake news de um fazendeiro orgulhoso, ele está levando dignidade a pessoas que vivem de forma indigna.
Nesse ponto, não haveria ator melhor que Hanks para encarnar este papel. Esta ‘correção moral’ do personagem se vê confrontada quando precisa lidar com o destino da pequena Johanna [Zengel], criada por índios após a morte de seus pais. Ele toma para si a missão de levá-la para casa e, quem sabe, lhe dar um lar que ela constantemente vem perdendo.
Greengrass embala esse trajeto de forma quase episódica, cada momento ou conflito servindo como suporte para que Kidd e Johanna percebam que são ambos almas solitárias que nada tem a perder e que talvez tenham muito a ganhar ao se conhecerem melhor. A relação paternal que se estabelece – sim, meio que evidente – surge de forma orgânica e natural, e fica impossível que você não torça para que eles fiquem juntos e que sobrevivam a todos os percalços por que passam. Há, temos que admitir, uma série de conveniências que os ajudam a ir em frente, mas são problemas mínimos de uma obra de tanta sensibilidade e capaz de discutir com tanta competência temas como a solidão, as dores do passado e a efemeridade não apenas da vida, mas de raças, povos e culturas, algo delineado de forma genial em dois momentos, quando vemos tribos inteiras vagando rumo a um destino desconhecido: são apenas sombras vistas nas luzes dos trovões ou resquícios de poeira que logo se esvaem.

PROMISING YOUNG WOMAN | Bela Vingança 
Estreia no dia 18 de março nos cinemas
Direção: Emerald Fannel
2020
★★★★½

Sou fã de Carey Mulligan desde que a vi em Blink, um dos melhores episódios de Doctor Who. De lá pra cá, ela atuou em grandes obras como Drive, Shame, Gatsby, Llewyn Davis, An Education, entre outros, mas quase sempre dividindo as atenções com outros artistas. Neste Promising Young Woman [me recuso a usar o título nacional escolhido] ela domina o filme com uma presença magnética e misteriosa, em uma produção que parte da estrutura básica de um revenge clássico, mas que trabalha com minúcias um estudo de personagem fascinante e perturbador.

Escrito e dirigido por Emerald Fannel, o filme traz Carey como Cassandra Thomas, uma jovem que, como o título original sugere, teve uma futuro promissor em algum momento de sua vida, mas que hoje encontra-se em enredada em uma rotina perigosa: de dia, em um trabalho que despreza com todas as forças; toda noite, porém, ela sai para os bares e finge estar completamente embriagada, de modo que os ‘caras de bem’ decidam ajudá-la [leia-se, levá-la para suas casas e transar com ela semi-inconsciente]. O confronto que surge daí é tão simples quanto devastador: colocar estes homens em seus devidos lugares, mostrando tanto a canalhice como a covardia de seus atos. Cada calhorda confrontado, um “risco” em seu caderno de anotações.
Esta sua “missão” de vida, vamos saber mais tarde, se deve a um fato ocorrido ainda na faculdade de medicina – que ela largou – com sua amiga Nina, que foi brutalmente abusada por colegas de classe.
Este foco único de sua vingança pessoal, porém, a distancia de sua família, de seus amigos, da possibilidade de uma eventual redenção. Quando ela volta a cruzar com pessoas que tiveram parte ativa na destruição emocional de sua amiga, ela decide, então, investir em uma vendeta bem pontual e de consequências trágicas.
O filme é carregado de um humor e uma ironia bem incorretas [a cena em que Cassie surge, logo após sua noitada com o personagem de Adam Brody, ao som de It´s Raining Men é maravilhosa], algo que parece tentar suavizar um filme que por si só é um gatilho imenso para boa parte das mulheres que já sofreram na mão de imbecis do sexo masculino.
O filme, porém, mostra que não são apenas os homens os artífices desse tipo de indignidade: há uma sociedade inteira pronta para desacreditar as mulheres que se dizem abusadas por parceiros ou colegas ou desconhecidos, como a amiga que questiona o fato de Cassie ‘sair com muita gente na época’ ou a diretora que não levou um caso para a frente porque ‘uma acusação dessa poderia acabar com a vida de um jovem promissor’.
Há alguns simbolismos bem exemplares aqui. Se por um lado temos Cassie guardando consigo o pingente que dividia com sua amiga, de outro vemos as pessoas que participaram do estupro ainda guardando como ‘lembrança’ a gravação da violência contra Nina [o momento em que Cassie vê o vídeo já é um dos mais impactantes do ano], como se fosse algo que pudesse eventualmente ser revisto num encontro de amigos.
Mulligan faz de sua personagem uma figura riquíssima. Ciente de tudo o que está sacrificando por conta de sua vingança pessoal, ela ainda assim é firme em seus objetivos: mais do que ferir os que a feriram, ela quer que as pessoas compreendam o horror de seus atos, os efeitos que meros ‘dez minutos de brincadeira’ podem causar.
Isso nos leva ao terceiro ato quase brilhante: uma quebra de expectativas contundente, mas que ainda assim soa satisfatório, num clímax agridoce e inusitado como as versões de Toxic e Angel of The Morning que coroam esses minutos finais.
Um filme estranho, curioso, um tanto fantasioso quando deseja, mas ainda assim um olhar certeiro sobre o verdadeiro horror de nossos dias: a empatia cada vez menor daqueles que nos cercam.

BÔNUS: Dica de um filme imperdível que deu o Oscar a Bree Larson em 2015, disponível agora na Netflix

O QUARTO DE JACK
Lenny Abrahamson
2015
★★★★★


O diretor Lenny Abrahamson tem minha admiração eterna por conta de Frank, aquele filme estranho sobre um Michael Fassbender com uma cabeça gigante de papel machê. Aqui, Abrahamson dilacera com este fenomenal O Quarto de Jack, uma obra dolorosa, inquietante, mas ao mesmo tempo com um olhar doce e sensível sobre a relação de mãe e filho trancados contra a vontade em um cubículo que o garoto chama carinhosamente de Quarto.
É um filme sobre abuso, sobre a perda da identidade e da liberdade. Ainda assim, o roteiro, escrito por Emma Donoghue, baseado em seu livro homônimo, é uma pérola de sutileza e sensibilidade, tornada ainda mais contundente pela direção assombrosa de Abrahamson, que jamais perde o pique em um filme que é passado 90% de seu tempo em apenas dois ambientes.
Todo essa excelência da direção e do roteiro, curiosamente, torna-se pequena frente à atuação de Brie Larson, como a Mãe, e do absurdamente talentoso Jacob Tremblay como Jack, um garoto que passou a vida inteira dentro de um quarto e incapaz de compreender a simples noção de dentro e fora, ou de imaginar o que significa algo que está ‘do outro lado da parede’.
Ainda que Larson esteja soberba – seja como a mãe que protege seu filho de uma realidade insuportável ou como a jovem traumatizada incapaz de seguir em frente – a alma do filme é o garotinho Tremblay, que entrega não apenas uma atuação perfeita, natural, radiante e complexa, como faz de Jack um dos personagens mais emblemáticos deste nosso cinema do século 21.
 

Márcio L. Santos é jornalista, apaixonado por Star Wars, A Mosca e Os Simpsons. Costuma ver pelo menos um filme ou um episódio de série por dia e faz às vezes de crítico de cinema nas horas vagas, já tendo atuado na 91 Rádio Rock, CBN, Portal Pipoca Moderna. Atualmente colabora com o canal de Youtube Realidade Fantástica, no qual analisa diversas obras clássicas do cinema.

 
 
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