No perfil Novas Clarices, a publicitária Rafaela Riera traz dicas de livros e entrevistas para o público descobrir mais escritoras brasileiras
Por Camile Triska
Responda rápido: quais escritoras brasileiras você conhece? Muitos dirão Clarice Lispector. Isso foi o que percebeu a publicitária curitibana Rafaela Riera, que atualmente mora em São Paulo, quando fazia essa pergunta para amigos.
Tudo começou quando ela se apaixonou pelos livros O peso do pássaro morto, da Aline Bei, e Assim na terra como embaixo da terra, da Ana Paula Maia e descobriu que muitas pessoas desconheciam essas autoras. “Eu fiquei completamente encantada e virei a louca da indicação. Indiquei para vários amigos, que leram e adoraram”, lembra. Então, por que não fazer essas indicações para mais pessoas?
Foi assim que surgiu a ideia do projeto Novas Clarices no Instagram. “O Brasil tem uma safra de escritoras incríveis, tanto no passado quanto agora, e pouquíssima gente conhece e lê. A cultura brasileira é riquíssima e o brasileiro costuma valorizar muito mais a que vem de fora. E o que é bom merece ser divulgado”, afirma Rafaela, que também lançará seu primeiro livro em breve pela Editora Penalux.
VEJA TAMBÉM: Cinco escritores paranaenses pra você ler e relaxar
No perfil do Instagram, ela faz resenhas curtas, como se realmente estivesse indicando aquele livro para uma amiga com a qual está conversando, mas também traz as escritoras brasileiras para o público conhecer em bate-papos. Desde o início do projeto, em junho de 2019, ela já entrevistou diversas escritoras, incluindo Aline Bei, que escreveu um dos livros que foi o responsável pelo Novas Clarices existir.
Para Rafaela, não existem escritoras brasileiras ou leituras obrigatórias, é preciso encontrar algo que você tenha prazer, pois tem literatura para todos os gostos: poesia, romance, crônicas, contos. Na entrevista para o Curitiba de Graça, ela fala sobre esse assunto, sobre o porquê usar o Instagram (em um momento onde o YouTube costuma ser o canal utilizado) e ainda indica seis livros para você conhecer mais o maravilhoso universo da literatura brasileira feita por mulheres.
Qual o seu processo de escolha de um livro? O que te instiga a ler uma determinada obra?
Eu estou sempre à procura de novas escritoras do Brasil inteiro, das mais variadas regiões. Faço essa pesquisa o tempo todo, porque gosto de ler coisas diferentes. Isso me instiga muito. Parece que quanto mais você pesquisa, mais histórias incríveis surgem. Me falaram uma vez que meu Instagram não iria longe porque não existiam tantas escritoras assim. Olha, toda semana eu vejo a minha lista de leitura e penso que eu não vou dar conta.
Normalmente, os críticos ou amantes da leitura escolhem produzir um site/blog ou canal no YouTube para publicar resenhas e indicações. Por que escolheu o Instagram?
Eu acho o Instagram muito mais prático, fácil e todo mundo está lá o tempo todo. É a rede social mais democrática que existe. O YouTube nunca foi uma opção porque no começo do Novas Clarices eu tinha muita dificuldade de mostrar a minha cara. Morria de vergonha. Até hoje não é algo que eu faça muito, a não ser nas entrevistas, porque não tem jeito mesmo. O objetivo do Novas Clarices não é que eu apareça, mas, sim, as escritoras e seus trabalhos. É elas que eu quero valorizar e dar voz.
O texto no Instagram precisa ser curto. Qual o desafio em fazer uma crítica/resenha em poucas palavras?
Tento escrever como se estivesse indicando um livro para um amigo ou amiga. É mais que uma resenha, é uma conversa. E uma conversa não pode ser um monólogo, você precisa falar de forma direta porque gostou ou não de um livro, é uma opinião pessoal. Eu não sou uma especialista. Sou uma pessoa que ama ler falando com outras pessoas que também amam ler, de um jeito leve e amigável.
De todas as escritoras que já entrevistou, qual foi mais marcante e qual teve mais dificuldade para conseguir entrevistar?
Acho que a mais difícil foi a primeira, porque eu nunca tinha aberto câmera, feito uma live e muito menos entrevistado alguém. Então, além da vergonha, tinha a insegurança de entregar um trabalho ruim, de dar algo errado. Até hoje bate essa insegurança, claro. Cada conversa é algo completamente novo que se abre. Como eu já disse, não sou uma especialista, sou uma leitora. Quando nós, leitores, estamos lendo um livro, não dá vontade de perguntar ao autor algumas coisas? É isso que eu faço e é a realização de um sonho ter essas respostas ao invés de ficar matutando sozinha sobre elas.
Todas as entrevistas são marcantes, porque são pessoas que eu admiro muito o trabalho. A conversa da Aline Bei foi especial, porque o livro dela foi um dos responsáveis pelo Novas Clarices existir, e da Daniela Arbex, porque foi a primeira escritora de um livro de não-ficção, com temas muito fortes, e por ser uma paixão antiga – li na faculdade e fiquei apaixonada desde então.
Quais escritoras brasileiras contemporâneas que você considera obrigatórias para um leitor?
Depende muito do tipo de pessoa. Eu não gosto desse negócio de obrigação. A vida toda a gente é obrigado a ler e isso deixa a leitura pesada e muita gente acaba desistindo ou não gostando por isso. Então, acho que vai de cada um. Tem gente que prefere poesia, tem outro que ama crônicas. Mas, vou fazer uma lista que engloba de tudo um pouco: Aline Bei, Carol Bensimon, Luisa Geisler, Ana Paula Maia, Daniela Arbex, Nara Vidal, Jarid Arraes, Martha Batalha, Natalia Borges Polesso, Ana Martins Marques, Cristina Judar.
Segundo a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro, os brasileiros leem, em média, cerca de apenas 2 livros por ano. Na sua opinião, o que falta para melhorar o incentivo à leitura no país?
A experiência da leitura, principalmente nas escolas, não pode ser traumática. Cada indivíduo é de um jeito, por que as leituras precisam ser iguais? Acho que cada um tem que encontrar o tipo de leitura que gosta e se identifica. Quando você acha aquilo que gosta, deixa de ser obrigação e vira prazer. A leitura precisa ser algo gostoso. Um livro sempre vai levar ao outro, ninguém já abre de primeira um Machado de Assis ou Tolstói, o leitor se constrói aos poucos. E isso precisa ser respeitado.
Muitas pessoas dizem que não leem mais por falta de tempo. Para você, isso realmente pode ser considerada uma dificuldade para ler mais?
De fato, nunca estivemos tão ocupados, principalmente no meio dessa pandemia. Estamos todos exaustos. Mas todo mundo precisa de momentos de prazer. E é aí que entra a leitura como uma ótima opção. Além disso, a gente gasta muito tempo com besteira. E isso acontece tão no automático que a gente nem nota. Essas horas que gastamos mexendo no celular, porque não tem “nada melhor pra fazer”, seria um bom tempo pra ler, nem que seja uma página. Não é competição. Acho que mais do que falta de tempo, é falta de encontrar aquilo que você ama, de transformar a leitura em prazer. Porque quando você acha aquele livro, não tem ninguém que te faça largar.
Seis livros de escritoras brasileiras indicados pela Rafaela Riera
O peso do pássaro morto – Aline Bei
“É uma aula de escrita. A forma poética e sensível que a Aline escreve uma história tão densa é apaixonante. Mas já aviso: o livro é forte.”
Assim na terra como embaixo da terra – Ana Paula Maia
“É aquele livro que você não larga por nada. A história, que fala sobre loucura, liberdade e tem um pé no sobrenatural, é muito hipnotizante. E eu amo o jeito meio cru, seco, real que a Ana Paula Maia escreve.”
Quarto de despejo – Carolina Maria de Jesus
“É um livro incrível e necessário. Todo mundo deveria ler Carolina Maria de Jesus. A forma como ela fala da luta pela sobrevivência, racismo, liberdade e maternidade é um soco na cara.”
Holocausto Brasileiro – Daniela Arbex
“A gente precisa saber mais sobre o que acontece na história do país, e eu não falo das partes bonitas dele. Cem mil pessoas morreram nesse hospital, perdendo muito mais do que a vida: a dignidade, a humanidade, os filhos e a sanidade. É uma leitura forte, mas muito necessária.”
Memorial de Maria Moura – Rachel de Queiroz
“Mais um que se enquadra na categoria ‘não desgrude até acabar’. Me apaixonei pela Maria Moura, sua força e seu jeito de se impor como uma mulher no meio de tantos homens e construir seu lugar.”
A Cabeça do Santo – Socorro Accioli
“Eu acho a ideia do livro sensacional. Um homem sem ter onde morar resolve se instalar dentro da cabeça de uma estátua estragada de Santo Antônio e lá ele consegue ouvir as preces de todas as mulheres da cidade. Quando li a sinopse pirei. É aquela leitura leve e gostosa, divertida.”
Você sabia que o Curitiba de Graça é um veículo feito por jornalistas e é independente? Para continuarmos fazendo nosso trabalho de difusão da cultura precisamos do seu apoio. Veja como colaborar AQUI.