Exposição homenageia o centenário de nascimento do escritor e poeta recifense João Cabral de Melo Neto, com obras inspiradas em seu poema “Educação pela Pedra”
Mesmo com a suspensão temporária das visitações presenciais, o Museu Paranaense (MUPA) dá início neste mês de dezembro a uma simbólica ponte cultural Sul-Nordeste ao inaugurar uma parceria inédita com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), do Recife (PE).
A primeira ação traz ao MUPA a exposição “Educação pela Pedra”, com curadoria de Moacir dos Anjos e que tem como tema o centenário de nascimento do escritor e poeta recifense João Cabral de Melo Neto. As obras investigam os afetos canalizados pelos versos do poema que dá nome à exposição, escritos em 1966.
“O poema nos apresenta a pedagogia da pedra e a sua capacidade de nos ensinar por ela própria, uma cartilha muda, mas que nos educa. Pode ser entendida como a metáfora de nossa relação com a arte: a capacidade que a arte tem de nos emancipar e educar por ela própria, nos fazer ver o mundo de outra maneira”, comenta o curador, que inaugurou a ponte-aérea do projeto no final de novembro para a montagem da mostra.
A Educação pela Pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto
Participam da exposição os artistas Oriana Duarte, Marcelo Moscheta, Jonathas de Andrade, Jimmie Durham, Cinthia Marcelle, Traplev, Agrippina Manhattan, Louise Botkay e Randolpho Lamonier, além de Caetano Veloso, que só entrou na montagem curitibana. A canção do músico baiano “If you hold stone”, que permeia a mostra, foi composta no exílio em homenagem à artista brasileira Lygia Clark e descreve a experiência de interagir com o trabalho da artista, sugerindo que o contato com a pedra gera conhecimento.
As obras reunidas no espaço expositivo do MUPA têm ou não a pedra como referência direta, mas de alguma forma remetem às lições do poema de João Cabral: a resistência, a concretude, a concisão e a impessoalidade. São audiovisuais, instalações e fotografias que desafiam o espectador na capacidade de articular a arte com a sua própria bagagem e aspirações.
Entre os trabalhos, está a obra de grandes dimensões de mineira Cinthia Marcelle, feita originalmente para o MoMA, em Nova York. “Sobre Este Mesmo Mundo” apresenta um imenso quadro negro com palavras e letras inseridas uma em cima da outra e apagadas, quase um palimpsesto. Uma grande quantidade de pó de giz é depositada na base como se fosse uma cadeia de montanhas. “Traz o paradoxo da educação que é criar e recriar, incorporando coisas novas e descartando outras”, sugere Dos Anjos.
A mostra traz uma referência histórica ao método para alfabetização de adultos de Paulo Freire. São imagens projetadas que relacionam sua educação emancipadora com gestos educadores daquela época. Para Freire, a Educação tem de ser feita a partir de coisas concretas do cotidiano. Ele enxergava a língua como algo fincado na realidade. “Por isso é um método tão celebrado e odiado. Busca a autonomia daquele que se alfabetiza”, pontua o curador.
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Trabalhos de artistas contemporâneos dialogam com o conceito de “palavras geradoras” de Freire. Na gravura “Transfobia” (2018), Agrippina Manhattan apresenta rostos desenhados de quatro pessoas que, pela abertura de suas bocas, parecem soletrar a palavra que dá título ao trabalho. Moacir dos Anjos lembra: “No Brasil de hoje é fundamental que as pessoas incorporem no seu léxico palavras como transfobia”.
Segundo a diretora do MUPA, Gabriela Bettega, é importante trazer novas narrativas ao museu para ampliar a comunicação com o espectador. A atual gestão refaz o itinerário de Agostinho Ermelino de Leão, um dos fundadores do MUPA, que viveu e trabalhou em Pernambuco.
“Além dos nossos três eixos, que são História, Arqueologia e Antropologia, queremos criar correlações inesperadas, narrativas que se sobrepõem, gerando intertextualidade e conexão entre as ciências e a arte. E a arte contemporânea, com seus universos ocultos e transmutações, é perfeita para agregar nessa interdisciplinaridade”, afirma Gabriela.
A exposição Educação pela Pedra foi montada nos dias 26 e 27 de novembro com a supervisão do curador Moacir dos Anjos. Até que as visitações sejam novamente liberadas, a expectativa é que isso ocorra em janeiro ou fevereiro de 2021, o MUPA promove ativações virtuais no Facebook, Instagram e no site www.museuparanaense.pr.gov.br.
A parceria entre o MUPA e a Fundação Joaquim Nabuco, importante instituição cultural brasileira ainda terá outras ações e atividades realizadas em conjunto como exposições, publicações, eventos e capacitações, que serão realizadas até 2022.
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