Educação em Debate: A educação em tempos de pandemia

É possível garantir o direito à educação das crianças e jovens neste período de pandemia?

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Foto: FreePik

Por Rudá Morais Gandin 
A ideia desta coluna é apresentar ao leitor algumas reflexões sobre educação. Nela vamos discutir os desafios e as perspectivas do ensino no país, sem renunciar ao conselho do poeta e escritor alemão Bertolt Brecht: “desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual (…) não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural”. Espero que gostem!

A educação em tempos de pandemia

Atualmente há duas questões que se destacam nos debates sobre educação neste período de pandemia. A primeira delas diz respeito ao papel do professor, cuja tarefa aparenta ter ganho novos contornos. A segunda, remete-se as medidas adotadas pelos governos, a fim de cumprirem as oitocentas horas inscritas na LDB¹, já que a MP de nº. 934² dispensou a obrigatoriedade do cumprimento dos duzentos dias letivos.
Com o avanço da pandemia e a disseminação das aulas a distância, como forma de assegurar o pretenso aprendizado dos alunos, muitas escolas têm levado adiante um protejo de educação fragilizado, sobretudo por ocasião da falta de materiais, como computadores e acesso à internet, que possibilitem aos professores darem suas aulas com qualidade. Além disso, é grande o número de alunos, particularmente os mais pobres, que não possuem os meios adequados para estudar em casa e acompanhar os conteúdos produzidos e disponibilizados nos canais ou plataformas online.
Quando se espalhou a compulsoriedade do ensino a distância, alastrou-se também a concepção de professor como facilitador da aprendizagem. Com os conteúdos das disciplinas armazenados em sites, blogs e/ou aplicativos, a figura do professor foi deslocada do seu papel, ocasionando o fenômeno do “deixa-como-está-para-ver-como-fica”, expressão esta usada pelo educador brasileiro Paulo Freire para designar a ideia de professor espontaneísta, cuja definição se resume na objeção de ensinar. Este tipo de trabalho, no qual se deixa o aluno aprender por conta própria, não precisa da atuação do professor, apenas de alguém que facilite o acesso ao conteúdo.
Embora boa parte das preocupações que se anunciam, sejam com a finalidade dos alunos não perderem o ano letivo, o saldo dessas medidas pode, ao invés de garantir o direito à educação para todos, aprofundar ainda mais as desigualdades na educação. Deste modo, as reflexões feitas acima, tratando do deslocamento do papel do professor, que deixa de ensinar para se tornar um facilitador, e da ausência de condições materiais de alunos e professores, demonstram não só o momento dramático no qual vivemos, mas também o equivoco das ações adotadas.
Não estou convencido que conseguiremos, por meio de aulas online, garantir o direito à educação das crianças e jovens neste período, pelo contrário. Talvez fosse o caso de pensarmos outros caminhos, como o de inaugurarmos uma campanha a favor da leitura e do estudo de assuntos com os quais as crianças e jovens tivessem interesse, sem pressa ou exigência de apresentar resultados. Neste período nenhum objetivo educacional deveria ser maior do que a preocupação com a vida, pois sem ela o que se faria das aulas, conteúdos e programas educacionais?
¹ Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
² Medida Provisória n° 934, de 2020, que estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública. Disponível em https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/141349.
 

 
Rudá Morais Gandin é mestrando em Educação da PUCPR. Pedagogo e especialista em Políticas Educacionais pela UFPR. Atuou como professor de Educação Infantil na cidade de Curitiba

  1. uma boa dica professor, destaco que nesse momento os educadores deveriam estudar e debater as prncipais medidas para o retorno da covivencia social e ensino aprendizado. Concordo contigo em relação às cobranças e resultados, os municípios estados ainda querem resultados quantitativos, não qualitativos e isso vai trazer sérios problemas para a vida dos educandos, onde muitos serão taxados de forma negativa por não terem aprendido realmente… Por fim, esse momento histórico poderia ser um processo transformador, fazendo a educacao ter perspectiva de melhora , mas não querendo ser pesimista, digo que esse momento ja está destacando problemáticas terríveis a vidas dos indivíduos da educação.

  2. Ótima reflexão! Gostei muito da ideia de “inaugurarmos uma campanha a favor da leitura e do estudo de assuntos com os quais as crianças e jovens tivessem interesse“. Sim, existem muitas coisas pelas quais eles se interessam. Penso também que seria muito bom essas crianças e jovens aprendessem tarefas relacionadas ao próprio lar – cozinhar, limpar, cuidar do jardim e do pet. Claro que esta é uma ideia que não pode ser generalizada para todos os estratos sociais, afinal cuidar das tarefas do lar pode ser uma realidade para muitos jovens de nosso Brasil.

    • Olá, Alexandra, também acho bem interessante essa ideia de aprender tarefas relacionadas ao lar, inclusive isso ajuda a quebrar esteriótipos do tipo “cuidar de casa é coisa de mulher”.

  3. Sinto que os professores não estavam preparados para este momento EAD, e muito menos os alunos. Algumas vezes acompanhei meus filhos nas tarefas escolares enviadas pela escola e também observei algumas aulas. Horríveis. Veja, não culpo os profissionais da educação por isso. Não se aprende uma metodologia do dia para a noite. Não sei como irei proceder, mas meu desejo é que todos reprovem o ano. O ideal é que o Estado reconhecesse a ineficiência do que está acontecendo e considerasse isso. Se não for o caso, irei me manifestar em favor da repetência dos meus filhos.

    • Olá, Irma, também considero que professores a alunos não estavam preparados, e isso influência na qualidade de quem ensina quanto de quem aprende. E, sim, o Estado deve reconhecer a ineficiência do que se ensina neste momento, porém, não tenho certeza se reprovar seria a palavra mais adequada. Tenho pensado na possibilidade da criação de mais um ano, como se fosse um ano intermediário, capaz de garantir o que se deixou de aprender neste período de pandemia.

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