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Benditos Caminhos: Agroecologia e aquarela, uma combinação de saberes

Exposição com tintas naturais feitas com vegetais está em cartaz no Assentamento do Contestado, na Lapa


Ociosidade criativa

Por Erica Beatriz Teixeira

O caminho se faz ao caminhar. Visão consolidada pelo pensamento complexo. Parecer vislumbrado pelo senso comum. Perspectiva definida pelos peregrinos. Junto-me a eles. As sensações e vivências do percurso são o caminho em si. A cadência baila com o modo e a velocidade do passo, no tempo de cada um.

O caminhar é um convite aparentemente ingênuo para (re) visitar a essência. É um espelho d´água para encararmos dores e amores. É uma transformação a partir do mergulho desnudo no ser e sentir. É uma ociosidade provocativa.
Pensamos. Sobre nós. Sobre os outros. Sobre os nossos nós com os outros. Nós de amarras invisíveis e pesos fincados com delicadeza na alma. Sutilezas incorporadas à mochila, única e certa presença, dia após dia.

O itinerário é duro, desprovido de atalhos, insensível às facilidades. Contudo, nos acolhe com afeto, beleza, aprendizados e descobertas. A mochila pode ter leveza. Se quisermos. Se assim escolhermos. Vida afora, caminho adentro.

A todo instante, aqui e acolá, caminhantes se conectam, narrativas se completam, novas histórias se despertam. Na Benditos Caminhos, coluna que estreio hoje no Curitiba de Graça, mostro e conto caminhos inspiradores. Em vários sentidos e muitas direções. O primeiro é a Exposição Natureza, Alimentos e Cores, protagonizado pelo Coletivo de Mulheres do Assentamento do Contestado, no município da Lapa.
Boa leitura, um bom caminho!
Érica Beatriz Teixeira

Agroecologia e aquarela, uma combinação de saberes

Mari Schalvin: trabalho em aquarela

As mãos que plantam alimentos sem uso de agrotóxicos são as mesmas que produzem tintas naturais com esses alimentos. As mãos que seguram firme a caneta nas aulas de agroecologia são as mesmas que expressam ideias e sentimentos por meio de aquarelas. Essa foi a experiência de Mari Schalvin, uma das participantes da ação artística proposta ao Coletivo de Mulheres do Assentamento do Contestado, no município da Lapa (PR), que resultou na exposição de artes visuais Natureza, Alimentos e Cores, em cartaz até março, no Centro Cultural Casarão, localizado também no assentamento.

Aluna da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELLA), Mari fez três pinturas. “Usei beterraba, espinafre, erva mate e outros alimentos para testar cores e texturas.” Ela participou dos dois encontros coordenados pela artista plástica Debora Santiago. “O resultado foi ótimo porque exercitamos a autonomia baseada na proposta de Paulo Freire e construímos um trabalho coletivo a partir da troca de saberes”, conta Débora, que é doutoranda em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

A artista plástica Debora Santiago propôs a ação artística

Processo
No primeiro encontro, a artista plástica ofereceu tintas produzidas por ela para que as participantes tivessem contato inicial com pincel e papel. Durante o intervalo de três semanas cada participante testou receitas de combinações de produtos e cores, quantidade de água e outros elementos, método de produção, e demais “segredinhos”. No segundo encontro, o grupo trabalhou com tintas resultantes do trabalho de experimentação e desenvolvimento de suas próprias “fórmulas”. Além deste, Débora Santiago está participando e desenvolvendo outros projetos artísticos voltados a processos educativos, sendo a maioria vinculado à agroecologia. “Tenho uma forte ligação com essa ideia e consumo cada vez mais orgânicos.”

 Casarão: 180 anos de história

Sylviane Guilherme, do MST: apoio para reforma do casarão

A exposição do Coletivo de Mulheres acontece no Centro Cultural Casarão, espaço que integra a história do Contestado. “Logo no início, o casarão era a sede comunitária do assentamento. Foi espaço para formação (dos assentados) e também para casamentos, bailes, festas e até velórios”, detalha Sylviane Guilherme, integrante do setor de Comunicação e Cultura do Movimento Sem-Terra do Paraná.

Construído por escravos há mais de 180 anos, o local integrava a residência do Barão dos Campos Gerais, proprietário da Fazenda Santa Amélia. Sem manutenção por longo período, o casarão passou a apresentar graves deficiências e limitações estruturais e funcionais. Sem dinheiro para manutenção e reforma, o MST apresentou um projeto e conseguiu apoio financeiro do Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e também recursos de emendas parlamentares para a obra. “Tentamos preservar ao máximo as características da edificação”, diz Sylviane.

Após cinco anos de reforma, finalmente iniciou-se a próxima fase: a adequação do espaço interno. Sylviane comenta que cada nova etapa representava um novo teste de paciência para os idealizadores do projeto. “Finalmente, hoje o casarão está equipado com poltronas, projetor, telão para exibição de filmes, caixas de som e toda a estrutura de um centro cultural. Está pronto para receber atividades artísticas de circo, teatro, música, cinema.”

A inauguração oficial do Centro Cultural Casarão deve acontecer ainda nesta semestre durante a festa comemorativa de 20 anos do Assentamento do Contestado, uma grande referência de reforma agrária com agroecologia. “Será o primeiro espaço de arte em área de reforma agrária no sul do Brasil”, finaliza.

SERVIÇO: Exposição Natureza, Alimentos e Cores
Quando? até o dia 27 de março, de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h30 e das 13h30 às 17h
*A exposição estará fechada durante o Carnaval, de 4 a 6 de março
Onde? Centro Cultural Casarão
Local? no Assentamento do Contestado, no município da Lapa (PR)

 

 

Érica Beatriz Teixeira é jornalista e mestranda em Educação. Dispensa redes sociais e privilegia a prosa o olho no olho. Deixou-se transformar no Caminho de Santiago de Compostela. E segue encantando-se pelos Benditos Caminhos vida afora.

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